Yifat “A proteção dos direitos das mulheres beneficia a todos”
Yifat Susskind. Foto: Cortesia da entrevistada
Nações Unidas, 4/3/2013 – Como demonstrou o terremoto no Haiti, o mais importante da assistência humanitária não é o prestígio das organizações internacionais, mas a qualidade efetiva de seus serviços. A Madre, organização norte-americana pelos direitos humanos, colaborou nos esforços de ajuda desde o terremoto de 2010, e ultimamente se concentra em promover uma reforma legal para proibir a violência de gênero. Sua diretora-executiva, Yifat Susskind, conversou com a IPS sobre o trabalho da Madre no Haiti e sobre os princípios e práticas que guiam seu trabalho em todo o mundo.
IPS: A Madre se dedica a mudar os sistemas, uma prática aprendida com a experiência entre movimentos políticos como os que resistiram ao apartheid na África do Sul, identificando o sistema e não a minoria branca, como o inimigo da população negra. Poderia explicar a importância deste enfoque?
Yifat Susskind: É crucial questionar-se ideias recebidas sobre quem, ou quais, é seu inimigo. Uma das ferramentas dos sistemas de opressão é dividir as pessoas entre “nós” e “eles”. É perigoso permitir que alguém te diga quem somos “nós” e quem são “eles”. Uma das metas dos movimentos sociais progressistas é deixar claro que “nós” inclui, de fato, todos, e que não deve existir o conceito de “eles”. Ao abordar a violência de gênero, queremos trabalhar de uma forma que também inclua os homens, promover o conceito de que a luta pelos direitos humanos não é um jogo em que uns ganham e outros perdem, e defender uma ideia do mundo que seja melhor para todos, para que as pessoas se sintam motivadas a criar a mudança. Sabemos que quando são atendidas as necessidades das mulheres, quando recebem educação, quando têm oportunidades econômicas, quando são reconhecidos seus direitos políticos, todos se beneficiam. Os benefícios começam em nível local e logo são sentidos mundialmente.
IPS: Vocês acabam de propor, junto à Campanha Internacional para Deter as Violações e a Violência de Gênero, uma reforma legal no Haiti para punir mais severamente as agressões a mulheres. O quanto significaria esta reforma?
YS: Este projeto de lei mudaria o debate em torno da violência contra as mulheres, não apenas no Haiti mas em toda a região, e potencialmente no mundo, porque é uma legislação muito avançada. Queremos trabalhar de uma forma que inclua homens e meninos, promovendo a ideia de que todos ganham quando são respeitados os direitos humanos. Por exemplo, pela primeira vez no Haiti, a violação dentro do casamento passaria a ser reconhecida como um crime, algo que ainda não é contemplado em muitos sistemas legais. Esta é uma de várias disposições em que se avança. Esta lei é paralela à nossa ajuda humanitária, às nossas estratégias de prevenção da violência, ao aconselhamento das vítimas de violação e ao trabalho de assistência legal, que as mulheres necessitam logo após serem violadas. Mas sabemos que tudo isto não é suficiente. Também precisamos fazer um trabalho de longo prazo para mudar a cultura, e a legislação é uma forma de fazê-lo.
IPS: O informe anual de 2011 da Madre diz: “Acompanhamos nossos sócios em cada passo do processo de defesa de direitos humanos”. Pode nos contar como caminha este processo no Haiti e com quais outros atores estão trabalhando?
YS: Nos meses posteriores ao terremoto, fizemos parte de uma equipe de supervisão com nossos sócios no Haiti, entre eles grupos de base, profissionais em matéria de direitos humanos, advogados internacionais e estudantes. Como trabalhamos em sociedade com grupos de base dirigidos por mulheres vítimas do terremoto e que ainda vivem em acampamentos, pudemos nos aproximar delas e perguntar-lhes diretamente: “Do que necessitam?”. É um enfoque completamente diferente ao dos grandes grupos de ajuda internacionais, que só chegam e dizem: “Aqui está o que precisam”. Esta é uma diferença muito importante para nós. Descobrimos muitas brechas e ausências na proteção de direitos, sobretudo das populações mais vulneráveis, e especialmente das mulheres e meninas. Os princípios da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos desabrigados são muito bons, mas raramente são implementados. Uma grande parte de nosso trabalho consistiu em exigir e criar um espaço na mesa para os grupos de base, tentando superar as barreiras estruturais e as atitudes que os impedem de serem ouvidos nos processos de tomada de decisões. Além disso, criamos uma série de painéis interativos que reuniram representantes de grupos de base de mulheres, grandes organizações internacionais de ajuda, agências da ONU, funcionários municipais e do sistema judicial, policiais e trabalhadores da saúde. Também realizamos painéis com mulheres nos acampamentos para discutir quais ações devem ser tomadas e como implantá-las, porque não basta documentar e registrar os abusos contra os direitos humanos.
IPS: Notou alguma mudança nas leis e nas atitudes dentro da comunidade internacional em relação à violência de gênero desde a fundação da Madre, em 1983?
YS: Sim, definitivamente. Quando começamos, nem mesmo o movimento internacional pelos direitos humanos reconhecia a violência contra as mulheres como um tema importante. Com a Madre e muitas outras organizações tivemos que realizar uma campanha mundial sob o lema Os Direitos das Mulheres São Direitos Humanos, algo que parece muito óbvio hoje, mas que não era em 1983. Agora, na ONU e dentro dos governos, se discute o problema da violação como arma de guerra. Quando conseguirmos que pessoas e instituições poderosas ao menos digam que a violência contra as mulheres deve ser vista como algo preocupante, obteremos uma plataforma para conseguir fazê-los prestar contas. Antes não tínhamos isso. Costumava acontecer que as pessoas que iam a tribunais internacionais falar sobre a violação como arma de guerra eram alvo de piadas. O trabalho feito nesses temas conseguiu mudanças na política e, na realidade, no terreno. Envolverde/IPS