campanha Estados Unidos protegem mais e melhor as mulheres vítimas de abusos
Campanha de 2011 em Bakersfield, Califórnia, para acabar com a violência contra as mulheres.
Foto: Julie Jordan Scott/cc by 2.0

Washington, Estados Unidos, 4/3/2013 – A Câmara de Representantes dos Estados Unidos pôs fim a mais de um ano de debates com a aprovação da nova versão da lei que durante duas décadas ofereceu proteção legal às mulheres contra a violência sexual, o assédio e o abuso. A iniciativa preenche lacunas em matéria de financiamento e salvaguardas que surgiram quando a Lei sobre Violência Contra a Mulher (Vawa) ficou em suspenso em setembro de 2011.
A lei, finalmente aprovada no dia 28 de fevereiro, também oferece novas proteções para as mulheres indígenas e as imigrantes, independentes de sua situação legal, e pela primeira vez se amplia e se oferece garantias similares às minorias sexuais.
“Este êxito marca uma das raras ocasiões em que legisladores republicanos e democratas se juntaram para garantir no código federal proteções explícitas para orientação sexual e identidade de gênero”, afirmou a organização Human Rights Campaign. “Também é a primeira vez que uma disposição federal não discriminatória inclui a comunidade LGBT” (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), acrescentou.
O Senado, dominado pelo governante Partido Democrata, havia aprovado uma versão do projeto que contou com ratificação de aproximadamente 1.300 grupos de profissionais em meados de fevereiro. Mas a falta de ação na Câmara continuou impedindo sua aprovação. Finalmente, uma tentativa de último minuto nessa casa para aprovar uma versão mais branda fracassou na manhã do dia 28, e os líderes republicanos concordaram que fosse votado o texto aprovado pelos senadores.
A nova versão, aprovada por 286 votos, dos quais 87 republicanos, e 138 contra, será enviada ao presidente Barack Obama para promulgação. “Há mais de duas décadas a lei salvou incontáveis vidas e transformou a forma como são tratadas as vítimas de abusos”, afirmou Obama, elogiando a votação. “A renovação da lei é um passo importante para garantirmos que nos Estados Unidos ninguém seja obrigado a viver com medo”, acrescentou.
“Foi um processo muito difícil, mas nos alegramos por finalmente todas as vítimas ficarem protegidas e nenhum setor ter ficado de fora”, disse à IPS a diretora de assuntos legais do Centro Nacional de Justiça para Imigrantes, Mony Ruiz-Velasco. “Um dos assuntos mais importantes no nosso entender é que o novo projeto esclarece disposições da lei que permitirão aos filhos de vítimas de crimes poderem solicitar vistos para permanecerem com suas famílias. Também amplia a aplicação da Lei para a Eliminação da Violação na Prisão aos centros de detenção de imigrantes”, acrescentou Mony.
Os imigrantes historicamente sofrem graus de violência doméstica maiores, mas contam com menos mecanismos judiciais, especialmente se não estão com os documentos em ordem no país. As indígenas estavam em uma situação potencialmente mais prejudicial, pois não tinham como recorrer à justiça caso sofressem uma agressão sexual em seu território por parte de alguém que não fosse membro da comunidade. O cumprimento da maioria das leis nacionais depende de sistemas de justiça tribais, mas estes não costumam ter jurisdição para processar pessoas que não pertençam à comunidade.
Entretanto, uma em cada três indígenas tem possibilidade de ser violada ao longo de sua vida, e em 86% dos casos o agressor será um homem de fora da comunidade, segundo a Anistia Internacional. “Os tambores da justiça ecoam nas comunidades indígenas para celebrar a reautorização da Vawa”, declarou Juana Majel Dixon, primeira-vice-presidente do Congresso Nacional de Indígenas Norte-Americanos. Entretanto, “mais de 500 dias é muito tempo para ficar sem uma lei para todas as mulheres dos Estados Unidos. durante um período inimaginável os que atemorizaram nossas mulheres ficaram impunes”, acrescentou.
Os legisladores aprovaram a Vawa pela primeira vez em 1994, quando foi considerada uma lei histórica, com o requisito de ter de ser reautorizada a cada cinco anos. Até agora havia recebido apoio quase unânime de legisladores dos dois partidos. Mas, no ano passado, houve uma intensa politização do assunto, atribuída a um novo grupo de conservadores de linha dura que expressaram suas reservas pela ampliação das garantias legais aos imigrantes ilegais em às minorias sexuais. Alguns também se mostraram reticentes em dar mais poderes às autoridades tribais.
“A politização desta reautorização é, simplesmente, parte da guerra contra as mulheres”, disse à IPS a professora de sociologia Lisa Brush, da Universidade de Pittsburgh. “As objeções dos republicanos foram, claramente, parte de uma tentativa para eliminar as características que fizeram com que a Vawa fosse mais inclusiva e menos racista”, opinou.
“Essas organizações, além da comunidade LGBT, estão entre os setores mais vulneráveis à violação de gênero, e a posição do Partido Republicano basicamente equivale a dizer que o Estado de direito não as protegerá”, acrescentou Brush. A professora é autora do livro Poverty, Battered Women, and Work in U. S. Public Policy (Pobreza, mulheres maltratadas e trabalho na política pública dos Estados Unidos). Ela sugere que a luta contra a Vawa revela uma tentativa maior da parte dos republicanos de fortalecer o “Estado policial” enquanto destroem o “Estado de bem-estar”.
“O que realmente ajudaria a reduzir a violência contra as mulheres seria garantir que elas tenham capacidade para formar lares autônomos, controlar quando e quantos filhos ter e como criá-los, bem como de formar e desfazer relações com quem quiserem”, enfatizou Brush.
Segundo a professora, “para isso precisamos de igual remuneração para trabalhos iguais, bem como mudar totalmente a forma como organizamos o trabalho, a família, a responsabilidade pessoal de ganhar dinheiro e o cuidado. É isso que realmente marcará uma diferença, não apenas melhorar a vigilância. Mas é isso que conseguimos”, ressaltou. Envolverde/IPS