n1 Ficção e realidade contra tráfico de mulheres no Brasil
A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, em seu gabinete. Foto: Cortesia da SPM

Rio de Janeiro, Brasil, 11/3/2013 – A história costuma começar no interior do Brasil, com uma mulher jovem, bonita, pobre, de baixa escolaridade, seduzida por falsas promessas, e termina em uma rede de tráfico sexual com ramificações internacionais. Uma preocupante trama que o governo, a justiça, o parlamento e até uma telenovela começaram a desbaratar com resultados animadores.
O crime é tão complexo que existem poucos dados sistematizados. O Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (ONUDD) estima que no mundo existem pelo menos 2,5 milhões de pessoas vítimas do que a ONU define como escravidão dos tempos modernos. No Brasil, segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República, foram registradas pelo menos 475 vítimas de tráfico entre 2005 e 2011. Desse total, 337 sofreram exploração sexual e as demais foram submetidas a trabalho escravo.
“Em sua maioria, as mulheres são jovens, têm entre 18 e 20 anos, e estão em uma situação de vulnerabilidade: baixa renda, sem acesso à educação e com dificuldades para encontrar emprego”, disse à IPS a ministra Eleonora Menicucci, titular da SPM. “Por isso aceitam o que, à primeira visa, são excelentes oportunidades de trabalho no exterior ou em outra parte do Brasil, acreditando que dessa forma melhorarão suas vidas e a de suas famílias”, acrescentou a ministra sobre uma das formas de violência de gênero no dia 8, quando era comemorado o Dia Internacional da Mulher, cujo lema deste ano é “Uma promessa é uma promessa: acabemos com a violência contra a mulher”.
A captação de vítimas ocorre em todo o Brasil, mas um diagnóstico preliminar da SPM e do ONUDD diz ser mais frequente nos Estados de Pernambuco, Bahia e Mato Grosso. São Paulo, cuja capital é a grande metrópole do país, se converteu no Estado para onde confluem mais vítimas de outros Estados e, também, no ponto de partida do tráfico para o exterior. Essas jovens “são obrigadas a se prostituir e daqui enviadas para outros países, como Espanha, Itália e Portugal”, explicou à IPS a procuradora de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Eloisa de Sousa Arruda.
Eloisa acredita que o tráfico a partir do Brasil tem origem na “existência de um fetiche em torno da mulher brasileira, e sua imagem como mulher sensual é vendida no estrangeiro”. Os captadores estão em pequenas localidades do interior. A rota acaba, geralmente, em casas de prostituição no exterior. As máfias incluem brasileiros e estrangeiros. Eles percebem a vulnerabilidade da vítima e se aproximam “com propostas de trabalho muito melhores do que as que as do bairro ou cidades onde vivem”, explicou a procuradora.
“Recebem propostas para trabalhar como camareiras ou em clubes. São informadas que terão a passagem paga e que os primeiros salários servirão para cancelar sua dívida e que depois receberão integralmente sua remuneração”, detalhou Eleonora. O desenlace é sempre outro. No destino, a dívida e a dificuldade para pagá-la se multiplicam, e as vítimas se convertem em reféns “submetidas a situações degradantes de exploração sexual”. As vítimas são constantemente vigiadas e muitas vezes mantidas em “cárcere privado”, contou a ministra. “Mesmo quando há a possibilidade de denunciar, não o fazem por medo das ameaças que sofrem contra suas vidas ou de seus familiares”, destacou.
Para Eleonora, que coordena em São Paulo o Núcleo de Combate ao Tráfico de Pessoas, criado em 2009, a “falta de orientação” está por trás do envolvimento com as redes de tráfico sexual. Por isso é fundamental difundir este crime e suas características, como apoio às autoridades em seu combate, ressaltou a procuradora. O instrumento oficial é a articulação de uma rede nacional e internacional que desembocou em fevereiro em um segundo Plano de Combate ao Tráfico de Pessoas. A meta é criar, até 2014, dez núcleos ou postos de atenção, que se somarão aos 13 já existentes dentro e fora do Brasil.
Além disso, serão capacitados mais de 400 agentes no combate ao crime e se fortalecerá a cooperação jurídica internacional com ajuda da ONUDD. Entre 2011 e 2012 foram formadas 716 pessoas de diversas áreas. Também foi criada uma linha telefônica internacional gratuita na Espanha, Itália e em Portugal, para receber denúncias sobre vítimas mantidas nesses países. Isto se soma à linha telefônica brasileira “180 – Central de Atenção à Mulher”.
Por outro lado, a telenovela Salve Jorge, apresentada pela Rede Globo, contribui para aumentar o conhecimento e a denúncia de casos específicos. Baseada em um caso real, a novela descreve o drama de uma brasileira forçada a se prostituir em uma boate da Turquia. A autora, Glória Perez, já abordou temas sociais em outros trabalhos, como o desaparecimento de crianças. “Uma novela com audiência tão grande, transmitida em horário nobre e retransmitida no exterior, é importante para orientar em um assunto como esse. Serve para dizer: cuidado, que você ou sua filha podem ser alvo de um traficante. Não caia em promessas de dinheiro fácil”, observou Eloisa.
Na novela são descritas situações reais, por exemplo, o medo de denunciar que as jovens têm devido à sua situação migratória irregular. “Também mostra detalhes como as dificuldades de comunicação que têm até em relação ao idioma, outro impedimento grave”, enfatizou a procuradora. A ficção contribuiu para o resgate real, na Espanha, de uma jovem oriunda da Bahia. Sua mãe reconheceu na trama o caso de sua filha desaparecida há muito tempo sem dar notícias. As polícias dos dois países atuaram em conjunto para libertá-la do cativeiro e trazê-la de volta.
A Polícia Federal distribui folhetos em lugares como aeroportos para alertar sobre os riscos de aceitar ofertas de trabalho em outros países e sobre os lugares onde buscar ajuda, o que também contribui para a mobilização dos cidadãos. “O mais importante é dizer à sociedade que esses crimes estão muito mais perto do que se imagina, que não é coisa de telenovela”, afirmou o deputado Arnaldo Jordy, presidente da Comissão Parlamentar de Investigação sobre Tráfico de Pessoas. Envolverde/IPS