Fiame Mulheres lutam por um espaço político no Pacífico
Sydney, Austrália, 5/3/2013 – O desafio de conseguir a igualdade de gênero nos países insulares do Oceano Pacífico é enorme para as mulheres, que ocupam apenas 3% das cadeiras parlamentares. Isto está muito abaixo dos 20% da África subsaariana e dos 18,5% do sudeste asiático. Após o primeiro Fórum de Mulheres Parlamentares do Pacífico, organizado pelo governo australiano em Sydney em fevereiro, Fiame Naomi Mata’afa conversou com a IPS sobre os desafios de ocupar um cargo político e algumas das medidas buscadas para direcionar as severas desigualdades.
Fiame é a legisladora com mais anos no parlamento na região do Pacífico. Chegou pela primeira vez à assembleia legislativa de Samoa em 1985. Este país da Polinésia foi o primeiro da região a obter sua independência, em 1962. Ela é uma “matai” (grande chefe), como seu pai, Fiame Mata’afa Faumuina Mulinu’u II, o primeiro a ocupar o cargo de primeiro-ministro de Samoa.
Além de representar o eleitorado de Lotofaga, no distrito de Atua, na ilha mais populosa, Upolu, Fiame foi ministra da Educação, de Mulheres e de Desenvolvimento Social e Comunitário, e atualmente está à frente da pasta de Justiça e Administração de Tribunais. Ela esteve entre as 40 parlamentares das ilhas do Pacífico e da Austrália que participaram da primeira consulta regional do Programa de Mulheres Parlamentares do Pacífico. Outras figuras destacadas foram Selina Napa, da oposição em Ilhas Cook; Delilah Gore e Julie Soso Akeke, de Papua Nova Guiné.
Parte do objetivo da iniciativa Mulheres do Pacífico Desenhando o Desenvolvimento do Pacífico, apoiada pela AusAid (agência australiana para o desenvolvimento internacional), é aumentar as capacidades e habilidades profissionais das dirigentes políticas da região. “É um bom ponto de partida para dizer sim, nós levamos isto a sério”, ressaltou Fiame à IPS.
“Temos bem claro o tipo de enfoque que pode ser adotado. Há um site que pode ajudar com o desenvolvimento de uma rede de mulheres que permita o intercâmbio de informação e habilite o contato direto entre as integrantes, bem como a assistência à pesquisa em questões parlamentares e enfoques políticos”, acrescentou a legisladora. “Nunca se pode fugir da capacitação para ser candidata. No começo, sempre é necessário observar para identificar as lideranças, especialmente se a intenção é que sejam mais, bem como as oportunidades de formação que terão à sua disposição”, destacou.
O terceiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, sobre promoção dos direitos das mulheres, e a Plataforma do Pacífico para a Ação, para o Avanço das Mulheres e a Igualdade de Gênero, promovem o objetivo de que elas ocupem 30% dos cargos de decisão. Em Samoa as mulheres ocupam 4,1% das cadeiras no Legislativo, com apenas duas parlamentares, em Ilhas Marshall, 3%, em Papua Nova Guiné, 2,7%, e em Vanuatu não há nenhuma legisladora. Apesar disso, houve uma leve melhora, pois após as eleições do ano passado entraram três mulheres no parlamento de Palau, uma em Ilhas Salomão e três em Papua Nova Guiné.
Há muitas razões para explicar a persistente disparidade de gênero nesta região, como a cultura patriarcal tradicional, a histórica influência das administrações coloniais dominadas por homens, a corrupção e a falta de reformas nos partidos políticos, bem como a escassez de recursos econômicos e de habilidade para fazer campanha. A desigualdade é um problema reconhecido por numerosos dirigentes regionais, o que faz surgir a dúvida quanto ao motivo de se conseguir avanços tão pequenos.
“Creio que se deve às opções que fazem as mulheres. A política nem sempre é vista de forma positiva”, observou Fiame. “Muitas sentem que não é seu lugar, que não necessariamente lhes agrada a forma como são feitas as coisas, por isso alguém pode perguntar: por que não participa e ajuda a mudar?”, acrescentou. Nas eleições de Samoa em 2011, houve nove mulheres entre os 158 candidatos.
“O desenvolvimento econômico gera mais opções, mas nos países em desenvolvimento os papéis tradicionais de gênero estão muito arraigados”, pontuou Fiame. “Em muitos países do Pacífico, os governos não têm condições para se ocupar, nem oferecer uma proteção social para toda a população. Então, as pessoas costumam considerar que sua segurança se encontra nas redes sociais e culturais tradicionais”, explicou.
Ao ficar independente, a população de Samoa decidiu por referendo manter o “Fa’a matai”, tradicional sistema de governo em que “matais”, ou chefes eleitos, têm a responsabilidade de cuidar dos assuntos e das terras consuetudinárias das famílias extensas. “Não temos uma sucessão automática. Quando o chefe morre, a família extensa se reúne e decide quem será o sucessor. É muito democrático, mas também é um processo político”, detalhou Fiame. Não havendo consenso, o Tribunal de Títulos e Terras arbitra a decisão.
A Assembleia Legislativa tem 49 cadeiras, das quais 47 são reservadas para os e as “matais” e duas para os representantes das outras comunidades do país. “No contexto de Samoa, as mulheres têm o direito de serem chefes”, contou Fiame. Embora as mulheres constituam 48% da população, o censo de 2011 mostrou que 89% dos “matais” eram homens.
Por outro lado, se conseguiu a igualdade de gênero em todos os níveis de ensino. A educação como forma de mudar atitudes culturais e sociais e conseguir mais votos para as legisladoras é um objetivo de longo prazo na região. Porém, medidas especiais temporárias, como um sistema de cotas, podem fazer a diferença, ainda que as próprias mulheres tenham opiniões divergentes a respeito.
“Ao conversar com as mulheres que entraram no parlamento, a maioria diz que não é a favor das medidas temporárias”, afirmou Fiame. “Mas, posso ter perspectiva e dizer que necessitam, porque, se algo não acontece, é preciso ter a vontade de fazer com que aconteça”, enfatizou. No ano passado, foi apresentada uma reforma constitucional ao parlamento de Samoa, para reservar 10% das cadeiras às mulheres, o equivalente a cinco assentos. O projeto “está em segunda leitura e, com sorte, será discutido na próxima sessão”, informou Fiame.
Porém, ela reconhece que um dos assuntos delicados está nos interesses políticos de seus companheiros homens diante da possível competição feminina em seu eleitorado. Apesar disso, Fiame realmente acredita ser necessário iniciar um diálogo sério sobre mulheres e governança no país para desafiar a mentalidade tradicional.
Enquanto isso, é preciso ver o que acontecerá nas eleições nacionais este ano em Nauru e nos Estados Federados da Micronésia, bem como os avanços em Fiji para eleições democráticas em 2014, todas estas nações sem mulheres nos círculos de poder. Envolverde/IPS