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segunda-feira, 18 de março de 2013


Paraíba feminina, mulher forte sim senhora

Cynthia Sims*
Fotos: Cynthia Sims
Vestindo suas melhores roupas sobre a pele curtida de sol, cerca de 3 mil agricultoras se reuniram na última sexta-feira (8) para celebrar o Dia Internacional da Mulher na IV Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, realizada no município de Solânea, no agreste paraibano.

A marcha é organizada pelo Polo da Borborema– um fórum aberto de organizações de trabalhadoras e trabalhadores rurais de 15 municípios na região de Campina Grande (PB). Com a assessoria da organização não governamental (ONG) AS-PTA e o apoio dos sindicatos rurais e das prefeituras, caravanas de agricultoras de toda a região participaram da programação, que começou às 7h e prosseguiu sob sol forte até as 14h.
Mulheres dos sete aos 70 anos reivindicavam, entre outros pontos, a valorização do trabalho doméstico, conhecido no meio acadêmico como o trabalho reprodutivo da sociedade: aquele que envolve os cuidados com a casa e a família. Esse trabalho é intenso, não é remunerado nem entra na conta do PIB, o Produto Interno Bruto, e por isso não é identificado na medida de desenvolvimento econômico de um país, apesar de ser imprescindível à formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho.
Outro tema importante para o ato foi a denúncia das diversas formas de violência contra a mulher. A peça “Zefinha vai casar” trouxe risos e reflexão sobre as formas menos visíveis, como a psicológica, a moral e a patrimonial. O enredo foi criado pelo Grupo de Teatro Amador do Polo da Borborema e apresentava a história de Zefinha, uma jovem prestes a se casar, que deseja participar das reuniões comunitárias e vê seu noivo reproduzir as atitudes dominadoras de uma cultura patriarcal que insiste em limitar as possibilidades das mulheres.
Mas nem tudo foi divertido na mobilização. O relato de Dona Angineide, mãe de Ana Alice, foi um dos momentos mais comoventes. Sua filha, uma estudante de 19 anos, foi violentada e assassinada quando voltava da escola em setembro de 2012. O maníaco estava em liberdade condicional e já havia feito outras quatro vítimas em um ano. “Eu venho aqui falar para vocês para que esse tipo de coisa nunca mais aconteça na nossa região”, disse Dona Angineide, muito triste.
Depoimentos como esse e discursos de lideranças sindicais ganhavam a atenção de milhares de mulheres. Para elas, as desigualdades entre de gênero constituem um forte bloqueio para que a expansão da agricultura familiar de base ecológica se consolide como modo de produção e de vida para as famílias agricultoras.
Assentadas da reforma agrária, produtoras de base agroecológica e trabalhadoras rurais assalariadas, todas prestigiaram a marcha. Estimuladas pela peça de teatro e pelos testemunhos, as mulheres marcharam por um trajeto de um quilômetro pelas ruas principais de Solânea, município de 26 mil habitantes.
A vida de Margarida
A preparação para a quarta marcha envolveu uma série de exibições nas comunidades do vídeo A Vida de Margarida, produzido pelo grupo de teatro amador do Polo da Borborema. O vídeo retrata um dia na rotina de uma família agricultora. Do amanhecer ao anoitecer, as personagens mostram como os papéis hoje desempenhados por homens e mulheres foram socialmente construídos, gerando desigualdades e injustiças. O vídeo está disponível aqui.

Para Adriana Galvão Freire, assessora técnica da organização AS-PTA, a quarta edição da marcha superou todas as expectativas. “Temos observado uma mobilização crescente das mulheres no território da Borborema. A cada ano a marcha tem maior adesão pelas agricultoras”, comemora. “Nosso trabalho tem sido o de fomentar a discussão nas comunidades sobre as relações de gênero e os papéis na organização do trabalho. Utilizamos recursos pedagógicos como o teatro, o vídeo e as rodas de conversa. Agora elas já se organizam espontaneamente”, completa.

Uma das principais lideranças do Polo, Maria do Céu Silva é agricultora e presidente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Solânea, a cidade que este ano sediou a marcha. Com a voz cansada e um sorriso realizado, Céu nos recebeu para uma avaliação do evento.

“Essa marcha foi diferente das anteriores porque envolveu muito mais pessoas. Vieram caravanas não só do nosso território, mas da região do Brejo, da Articulação para o Semiárido, a ASA Paraíba e do movimento de mulheres do estado. Foi a primeira vez que uma mobilização desse porte aconteceu em Solânea”, celebra.

A Marcha promoveu ainda o lançamento de uma Carta Política que foi elaborada pela comissão de mulheres do Polo. De acordo com Céu, a Carta Política sistematiza os anseios de aproximadamente 1,5 mil mulheres que participaram das reuniões de formação realizadas nas comunidades ao longo do ano passado.

No final do evento, uma feira apresentava os resultados do movimento de agricultoras-experimentadoras que desenvolvem inovações na produção agroecológica. Muitas dessas inovações são simples e de baixo custo, como a seleção e o armazenamento de sementes crioulas para preservar as variedades genéticas locais dos alimentos. Por meio do projeto Sementes da Paixão, dezenas de bancos de sementes são mantidos nas comunidades, sendo que a maioria deles é administrada por mulheres.

Discutir desenvolvimento sustentável passa por alimentar as pessoas e reservar um estoque de recursos naturais para o futuro. O Polo da Borborema desenvolve um projeto agroecológico para a região que merece ser melhor conhecido, sobretudo por outras regiões do Nordeste, onde a convivência com a seca e a produção de alimentos são grandes desafios. E o papel das mulheres no enfrentamento desses cenários não pode ser subestimado. Para que se possa celebrar o Dia Internacional da Mulher, a mobilização para a quinta marcha já começou no dia seguinte, 9 de março.

* Cynthia Sims é jornalista e mestranda em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília.

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