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domingo, 17 de março de 2013


Renúncia?

Raquel Carvalho

Caminhava eu tranquilamente pela rua, quando escutei uma voz feminina gritando no celular:
- Eu não aguento mais esse menino. NÃO-A-GUEN-TO-MAIS. Sou mãe, não santa! Não faço milagres!
(…)
- Quer saber de uma coisa? Leva para a casa da sua mãe!
(…)
- Tá bom. Da MINHA mãe!
Não sei bem o que o tal filho andou aprontando, se é um projeto-mirim de psicopata ou só uma criança arteira. Não conheço a mãe, o pai, nem as avós. E imagino que as frases tenham sido só um desabafo em um momento de desespero. De todo modo, ouvindo o desfecho da conversa, experimentei uma sensação recorrente: a de que andamos abdicando de funções que são, por natureza, irrenunciáveis. Transferimos, nem sempre em momentos de aflição extrema como essa, tarefas indelegáveis. A declaração “não dou conta e ponto final” tornou-se generalizada, autorizada nos mais diversos setores.
Este ano, o mundo inteiro surpreendeu-se com a renúncia do Papa Bento XVI. Sua saída, nos moldes em que formalizada, é a primeira que atinge a Igreja Católica depois de longos 598 anos. Esclareça-se que o anterior, Papa Gregório XII, apenas renunciou em 1415 com o objetivo de acabar com a disputa entre pontífices de três sedes (Roma, Avignon e Pisa) na crise chamada “Grande Cisma do Ocidente”, que durou de 1378 a 1417. Não estou certa sobre a equivalência de dimensões entre as crises atual e do século XV, sendo maiores as dúvidas quanto à renúncia como única alternativa.
Idênticos questionamentos faço quando ouço argumentos simplistas como “O Estado é ruim de serviço; presta mal de telefonia à saúde; a solução é transferir para o mercado todas essas atividades e mais”. Sem entrar em discussões sobre a irrenunciabilidade de competências atribuídas pela Constituição ao Estado, nem esmiuçar a diferença entre delegar a mera execução e transferir a titularidade de um serviço, limito-me a identificar no discurso uma ideia central: “Se não dá conta, desista. Se é ruim de serviço, delegue.” Não se fala em tentativa real de aperfeiçoamento; não se viabiliza, com recursos suficientes, melhoria efetiva da estrutura existente; não se perseguem bons resultados com esforços significativos e progressivos antes de cogitar passar à frente uma atividade. O raciocínio é básico e linear: se é ruim de serviço, desista logo; sem qualquer esforço para melhorar, entregue de uma vez para outro assumir!
Fico pensando, ainda, no que aconteceu nos EUA, em 2008, depois de instalada a grave crise financeira: os bancos, ruins no serviço de emprestar dinheiro a torto e a direito, com o caos já completamente instalado, foram bater na porta do Estado, clamando por dinheiro público, apoio e tudo mais. Desistiram e delegaram. Sem um mínimo de pudor ou arrependimento. Sem o esforço necessário em arcar com os resultados das próprias burradas. Com a maior “cara lambida” de quem usa  “a economia do mundo em risco” para se livrar das consequências dos seus erros. Com uma tranquilidade enorme, as instituições financeiras concluíram: Não damos conta (do caos), desistimos (de administrá-lo). Assuma você (Estado).
Acho que mães, pais, Estado, papas e empresas deveríamos encarar que há compromissos a que não podemos renunciar impetuosa ou tranquilamente. Se o seu filho é praticamente um contraventor, se a sua igreja está em crise, se a instituição financeira emprestou dinheiro a quem não devia, se os órgãos públicos que o integram são incompetentes, você merece solidariedade. Mas não confunda solidariedade com aceitar desistência precoce e fácil. Primeiro, é caso de tentar mudar. Buscar, de verdade, consertar, melhorar e administrar os problemas. Antes de simplesmente jogar a toalha, esforce-se, criatura! Se desceu para o play, brinque até o fim do jogo. Perca a partida, mas não entregue por W.O. Não se permita fraco, sem um mínimo de tentativa prévia de superar os limites.
Se não o fizer por consciência da sua responsabilidade na história, faça por inteligência. Lembre-se de que a renúncia pode trazer um problema maior do que o que você tinha antes. Ou você acha que uma sogra com poder sobre seu filho vai facilitar a educação do pequeno candidato a meliante? “Nada é tão ruim que não possa piorar” pode parecer uma advertência cruel para quem está no meio do problema. No fundo, é só um conselho amigo. E amizade é sentimento de que não se pode abrir mão. Irrenunciável, sabe como é?

* Raquel Carvalho, mineira, é advogada.
http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2013/03/17/renuncia/

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