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sábado, 17 de setembro de 2016

A PRIORIDADE HOJE É MAMIFERIZAR O PARTO – POR MICHEL ODENT

06 de janeiro de 2016

Parto humanizado x parto “animalizado”

Continuamos apresentando nossos argumentos sobre a animalização do parto.  Afinal de contas somos mamíferos!

Reproduzimos abaixo a palestra Michel Odent proferiu no Seminário BH pelo Parto Normal, em 2008:

Não podemos começar essa Conferência sobre “Parto e nascimento no mundo contemporâneo” sem nos referirmos aos inúmeros avanços técnicos e científicos que vão, sem dúvida, influenciar e acelerar a história do parto e nascimento. Temos que mencionar como as técnicas de cesárea foram, recentemente, simplificadas. Hoje, devido ao trabalho em especial do professor Michael Stark, de Berlim, é possível fazer uma cesárea em 20 minutos. Quando eu fiz minha primeira cesárea, há meio século, nós precisávamos de uma hora, e isso acelerado. A técnica foi dramaticamente simplificada. Talvez, possivelmente, é mais seguro que jamais foi. A cesárea é simples e rápida, mas é muito difícil avaliar a segurança da cesárea porque precisamos levar em consideração a razão pela qual a cesárea foi feita. Por exemplo, se o critério para avaliar a segurança da cesárea é o óbito materno, você tem que levar em consideração o motivo pelo qual a cesárea foi feita ao invés de avaliar a técnica por si só.

No caso de uma apresentação pélvica, a termo, uma nova doutrina em praticamente todos os lugares do mundo é oferecer uma cesárea eletiva programada na 39ª semana de gestação, antes do trabalho de parto. Temos à nossa disposição hoje estudos de grandes séries temporais de cesáreas todas realizadas pela mesma razão: apresentação pélvica a termo. Em um estudo canadense publicado em 2007 que incluía 46 mil cesáreas a termo em apresentação pélvica não houve nenhum óbito materno. Teria sido inacreditável isso, mesmo há 20 anos atrás.

Quando falamos de parto e nascimento, hoje, precisamos olhar esse ponto da virada da história da humanidade. Podemos dizer que hoje a cesárea é uma operação fácil, rápida e segura. Temos que aprender a formular questões novas. No mês que vem um livro será publicado, uma coletânea com vários autores, cujo organizador é Michael Sark, o pai da nova técnica fácil, veloz e segura de cesárea. Ele me pediu para escrever os últimos dois capítulos do livro. O objetivo do livro, publicado originalmente em alemão, é discutir, formular novas questões dentro de um novo contexto. No novo contexto em que estamos, se levarmos em consideração somente os critérios convencionais de avaliar a prática da obstetrícia – morbidade e mortalidade perinatal e a relação custo e benefício – seria aceitável oferecer cesárea para todas as mulheres grávidas. A questão do momento é que, ao mesmo tempo em que existem tais avanços técnicos, existem outros avanços científicos oferecidos por disciplinas fora do campo da medicina que sugerem novos critérios para avaliar as práticas da obstetrícia e a arte de partejar.

Por exemplo, hoje, devido a um braço da epidemiologia, temos um acúmulo de dados seguros sugerindo que a forma como nós nascemos tem conseqüências duradouras por toda a vida. Na realidade essa é a razão para a base de dados estabelecida no nosso centro de pesquisa em Londres, onde nós coletamos na literatura científica e médica todos os estudos explorando as conseqüências em longo prazo de como começamos nossa vida. Essa perspectiva sugere que precisamos aprender a pensar no longo prazo, pois até agora nós só pensamos no curto prazo. Os resultados nos fazem pensar, por exemplo, que a forma como a mulher deu à luz pode influenciar a qualidade e a duração da amamentação. Também estamos aprendendo como a flora intestinal é importante, e nossa saúde depende da interação entre a flora intestinal e nosso sistema imunológico. A flora intestinal se estabelece imediatamente após o nascimento, mas quais são os primeiros micróbios que o bebê vai encontrar? Já que o recém-nascido tem os mesmos anticorpos IgG da mãe, faz uma grande diferença o bebê encontrar primeiro os germes transmitidos e carregados pela mãe, germes já conhecidos e familiarizados pelo bebê, ou se ele vai ser colonizado imediatamente por germes de fora, não conhecidos pela mãe. Temos que levar em consideração esse critério, já que a nossa saúde depende muito de como nossa flora foi estabelecida desde o começo da nossa vida fora do útero.

Como seres humanos, diferentes de outros mamíferos, precisamos incluir outras dimensões para pensar como os bebês nascem, considerando a civilização. Quando você estuda o parto de outros mamíferos, você pensa apenas no nível individual. Seja como for o parto, quando você prejudica o processo de nascimento de um mamífero não-humano, o efeito é que a mãe não cuida do recém-nascido. Por exemplo, no caso das ovelhas, se você interrompe o parto, a mãe simplesmente não vai aceitar o bebê. No ser humano é mais complexo, tudo é diluído pelo meio cultural. Então, no futuro, é possível pensar que todos os bebês pudessem nascer pela via abdominal. Por outro lado, várias disciplinas científicas nos informam que temos boas razões, mudando os critérios de avaliação, para tentar redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido. Eu uso a palavra “redescobrir” porque é uma tarefa difícil entender essas necessidades depois de milhares de anos de controle cultural do processo de nascimento, com rituais e com a interferência no processo de nascimento em todas as sociedades. Para redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e dos bebês recém-nascidos, não temos um modelo cultural para isso. Precisamos perceber o que podemos aprender no presente a partir de uma disciplina básica que é a fisiologia. Podemos aprender muito quando pensamos como cientistas que estudamos a fisiologia.

Assim, vou tentar resumir como poderemos explicar, no contexto científico atual, quais as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e dos bebês recém-nascidos a partir de dados fornecidos por fisiólogos e influenciados por minha própria experiência de estar envolvido com parto desde 1953, em maternidades, hospitais e parto domiciliar. Quando falo como fisiologista, também me sinto influenciado pela minha experiência pessoal. Eu sugiro quatro pontos que facilmente explicam e nos ajudam a redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido.

O primeiro ponto é lembrar que a ocitocina, principal hormônio do parto, é especial quando nós consideramos as condições de sua liberação. A ocitocina é necessária para a contração uterina e é o principal hormônio do amor. A ocitocina é o hormônio-chave no processo de nascimento, mas a ocitocina é especial quando consideramos a condição para sua liberação, porque depende de fatores ambientais para sua liberação. Uma forma fácil de resumir é dizer que a ocitocina é um hormônio tímido. Se entendermos esse ponto, podemos explicar tudo. Podemos comparar a ocitocina com uma pessoa tímida que não aceita se mostrar para estranhos e observadores, evita se mostrar. Da mesma forma é a ocitocina, um hormônio tímido, e isso é algo que nos esquecemos com relação ao parto? Nós até entendemos o papel do ambiente na liberação da ocitocina em outras situações que não o parto, como na relação sexual, e que você não tem como fazer amor em qualquer ambiente. Em todas as sociedades que conhecemos as pessoas precisam de privacidade para fazer amor, e isso já foi observado por antropólogos mesmo em culturas com sexualidade precoce ou livre. Há uma regra universal na qual casais sempre se isolam para a relação sexual, como se soubessem que a ocitocina é um hormônio tímido.

Com relação ao parto, podemos dizer que os mamíferos humanos não conhecem essas regras em termos de explicá-las com palavras, mas comportam-se de uma maneira tal que mostra que as pessoas entendem o que é importante: que a ocitocina é um hormônio tímido. Todos os mamíferos têm uma estratégia de não serem observados no momento do parto. E quanto ao parto em seres humanos? Parece que houve uma fase, na história da humanidade, nas culturas pré-alfabetizadas e não literárias, em que as mulheres se separavam do grupo e iam para o mato na hora do parto, comportando-se como outros mamíferos, como se soubessem que a ocitocina é um hormônio tímido. Em sociedades mais sofisticadas, as mulheres se separavam do grupo, mas iam para uma cabana especial ou uma área separada do grupo. Parece, entretanto, que em todas as sociedades em que as mulheres se separavam do grupo para dar à luz, elas não ficavam muito longe de suas mães ou de uma mulher com experiência que as protegiam contra a presença de animais ou de algum homem. Essa, provavelmente, é a origem da parteira. Nós não temos timidez com relação à nossa mãe e o hormônio aceita aparecer na sua presença. É importante perceber que uma parteira é sempre, ou normalmente, uma figura materna.

Depois disso tivemos uma socialização cada vez maior do parto. O papel das parteiras mudou e em muitas sociedades ela deixou de ser a mãe protegendo a mulher em trabalho de parto e gradualmente se tornou uma agente do meio cultural, transmitindo crenças e rituais, funcionando como uma guia e dizendo à mulher o que precisava ser feito. Às vezes um guia invasivo, apertando o abdômen ou realizando outras atividades. E em uma outra fase da socialização do parto as mulheres passaram a dar à luz no local onde viviam, ou seja, o parto domiciliar é recente na história da humanidade, e é um novo passo na socialização do parto e na nossa falta de compreensão da ocitocina como um hormônio tímido.

Depois chegou o século XX e a história nesse período passa muito rápido. Na maior parte das sociedades, até então, o controle do processo de nascimento se dava via o meio cultural e era feito, principalmente, por crenças e rituais. Em meados do século XX surgiu algo novo: teorias consideradas científicas – mas que representaram um passo para amplificar a nossa falta de compreensão da ocitocina como um hormônio tímido – e que direta ou indiretamente influenciaram a maior parte das escolas de parto natural, como a teoria de reflexos condicionais e da psico-profilaxia. A ideia na origem dessas teorias é de que a dor no parto não era fisiológica e sim cultural, um reflexo condicionado. Desta forma, as mulheres precisavam ser recondicionadas e ensinadas a como dar à luz, como respirar, como apertar, o que levou à introdução de pessoas adicionais na cena do nascimento. Tais teorias abriram o espaço para a idéia de que, durante o parto, a mulher precisa de um guia, de alguém que lhe diga como respirar ou como fazer força. Em inglês, usa-se inclusive o termo “coach”, ou seja, um treinador para ajudar no parto. Isso faz parte da nossa história da incompreensão da ocitocina como um hormônio tímido.

Até recentemente era compreendido que a ocitocina seria menos tímida no ambiente feminino comparado ao masculino e, embora o parto já venha sendo socializado há milhares de anos, os homens quase sempre estavam excluídos da cena. Mas houve um passo novo na metade do século XX, que foi a masculinização da cena do parto. Além de cada vez mais médicos se especializaram em obstetrícia, subitamente, na década de 1970, havia uma nova doutrina do pai participando do processo de parto. Também foi o momento em que as máquinas eletrônicas e a alta tecnologia foram introduzidas na cena do parto. Ou seja, o ambiente do nascimento se tornou altamente masculino, o que foi um outro passo nesse processo de socialização do parto.

Recentemente há ainda uma nova fase: uma epidemia de vídeo. Hoje é fácil fazer um vídeo e no movimento do parto natural ficou comum filmar o nascimento. Quando olhamos esses vídeos é quase sempre a mesma história: você vê uma mulher dando à luz cercada de três ou quatro pessoas, observando, além da câmera. E isso tem sido chamado de parto natural porque a mulher está na banheira, ou está de cócoras ou está de quatro, mas o ambiente é tão não natural quanto possível. Quem olha acha que parto natural significa parto domiciliar ou na banheira, e deixam de perceber o que era importante: a ocitocina é um hormônio tímido. Isto é algo que precisamos redescobrir em todas as fases do parto, mas particularmente na fase logo após o nascimento do bebê. Este é o momento quando a mãe tem a capacidade de liberar os níveis mais altos de ocitocina, mais do que durante o parto, mais do que durante o orgasmo, mais do que em qualquer outra situação. Esse pico de ocitocina é vital e necessário para que haja um pós-parto sem sangramento. Além disso, por ser a ocitocina o hormônio do amor, é importante saber que o maior pico de sua liberação ocorre imediatamente após o nascimento do bebê. Uma vez que a ocitocina é um hormônio tímido, é preciso pensar: o que torna possível esse pico de ocitocina? Hoje esse pico é praticamente impossível de acontecer porque a condição para ele ocorrer é o contato pele-a-pele com o bebê, que a mãe pudesse olhar nos seus olhos, sentir seu cheiro, sem qualquer distração. Mas os cientistas tornaram isso impossível com as crenças e práticas de separar o bebê da mãe após o parto. Isso é prejudicial. Da mesma forma, o colostro, que o bebê busca quase imediatamente após o parto, mas que para achá-lo precisa estar nos braços da mãe.

O segundo ponto a ser lembrado é bastante simples quando consideramos as necessidades da mulher em trabalho de parto. Quando nós, os mamíferos, liberamos adrenalina, não conseguimos liberar ocitocina. A adrenalina é o hormônio da emergência, e os mamíferos a liberam em certas situações: quando estão assustados, ou com frio, ou com medo. Ou seja, para o parto a mulher precisa se sentir segura sem se sentir observada; e há o antagonismo adrenalina-ocitocina. Existem vários dados científicos que não estão digeridos ou integrados à prática obstétrica, e esse é um bom exemplo. Há livros sobre parto natural que comparam dar à luz com correr uma maratona, e o conselho para a mulher em trabalho de parto é uma alimentação rica em carboidratos. Entretanto, esse tipo de recomendação é inaceitável no contexto científico atual, uma vez que o pré-requisito para que o parto ocorra adequadamente é um baixo nível de adrenalina para garantir que os músculos voluntários estejam em repouso, relaxados, ou seja, não necessitem de glicose, é o oposto de correr uma maratona. Esse tipo de recomendação além de ser contraproducente, pode ser até perigoso. Nós aprendemos com os estudos da década de 1980 que glicose e açucares durante o parto é perigoso, soro com glicose na veia é um fator de risco para icterícia e hipoglicemia no recém-nascido, pois o bebê é inundado com glicose, mas a insulina materna não atravessa a placenta. Esse é só um exemplo para mostrar como dados científicos simples, como o antagonismo ocitocina-adrenalina, não são bem divulgados e disseminados.

O terceiro ponto necessário para redescobrir as necessidades básicas de mulheres em trabalho de parto é aquele que faz os seres humanos especiais. Os seres humanos têm mais propensão para partos difíceis, em comparação com outros mamíferos e outros primatas. Uma das razões da dificuldade humana no período do trabalho de parto advém do nosso grande neocórtex, o cérebro novo, o cérebro do intelecto. Nós humanos somos chipanzés com grandes neocórtex. Mas por que o grande neocórtex é uma deficiência durante o processo de parto? Porque durante o processo de parto, ou de uma experiência sexual, as inibições vêem do neocórtex.

Se olharmos uma mulher em trabalho de parto do ponto de vista do fisiólogo, nós vamos ver que a parte primitiva do cérebro, uma estrutura arcaica chamada hipotálamo, é a mais ativa durante o trabalho de parto. O fluxo de hormônios que a mulher tem que liberar para o trabalho de parto vem dessa parte profunda e primitiva do cérebro. Ao mesmo tempo, vamos conseguir visualizar as inibições vindo do neocórtex. Mas a natureza achou uma solução para superar essa deficiência: durante o parto o neocórtex deve parar de funcionar. O nascimento é um processo primitivo e durante esse processo o neocórtex deve estar desligado. Quando a mulher está em trabalho de parto sozinha, ela se desconecta do nosso mundo e esquece o que está acontecendo à sua volta. Seu comportamento pode, inclusive, ser considerado inaceitável para uma mulher “civilizada”: ela grita, xinga, é pouco polida, assume diferentes posições. Ela fica em outro planeta. Isso significa que o neocórtex reduziu sua atividade, o que é essencial na fisiologia do parto. Uma mulher em trabalho de parto precisa, em primeiro lugar, de ser protegida contra qualquer estímulo do neocórtex. Na prática isso significa que temos que lembrar quais são os estimulantes do neocórtex para evitá-los. Um desses estimulantes é a linguagem, que é processada no neocórtex. Se utilizarmos a perspectiva fisiológica vamos reconhecer que é preciso cautela para usar a linguagem durante o trabalho de parto e vamos redescobrir o silêncio. Vamos demorar muito a aceitar o silêncio na sala de parto depois de séculos de socialização. Recentemente, assistindo a um desses vídeos de parto natural, assim chamado porque era domiciliar e a mulher estava de quatro, pudemos observar que a parteira não parava de falar. Precisamos redescobrir que  a linguagem estimula o neocórtex e interfere na liberação da ocitocina e a importância da privacidade.

O neocórtex também é estimulado pela luz, é muito sensível ao estímulo visual em geral. É interessante observar como uma mulher em trabalho de parto que não é guiada, não é observada e não é orientada por nenhum plano pré-concebido, geralmente encontra, por conta própria, uma posição tal, na qual ela elimina os estímulos visuais. Ela se acocora, se inclina para frente, deixa os cabelos caírem sobre o rosto e assim não enxerga nada e pode esquecer o resto do mundo.

O quarto ponto para podermos redescobrir e atender as necessidades da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido é seguir uma regra simples: aprender a eliminar, no período perinatal, tudo que é especificamente humano. O que isso significa? Que devemos eliminar todas as crenças e rituais que interferem com o processo de nascimento, como alguns que eu mencionei. Nós constantemente reproduzimos tais rituais. Por exemplo, em algumas sociedades a mãe não está autorizada a pegar o bebê se não tiver recebido a permissão para tal de outra pessoa. Entre os Arapesch, da Nova Guiné, a condição para a mãe ser autorizada a tocar o bebê é que o pai receba a notícia do sexo do bebê e decida se ele vai viver ou não e se a mãe está autorizada a cuidar do bebê, sendo que essa ordem é transmitida da parteira para o pai. Essa situação se reproduz em todas as sociedades.

No Brasil podemos mencionar um grupo étnico indígena do Mato Grosso, entre os quais a mães não está autorizada a pegar no bebê enquanto o líder espiritual, o Xamã, não decidir se o bebê deve viver. Entre um grupo étnico da Amazônia a permissão tem que ser dada pelo padrinho, que tem que chegar com a roupa cerimonial, decidir se o bebê vai viver para a mãe poder cuidar dele. Sempre reproduzimos o mesmo ritual. Recentemente eu visitei uma maternidade no Rio de Janeiro e na sala de parto tinha uma janela de vidro. Mas por que a janela? Porque assim que a criança nasce, a atendente corta o cordão umbilical e passa o bebê por essa janela, sendo que do outro lado está o pediatra. A mãe não pode cuidar do seu bebê até que o pediatra permita. É o mesmo ritual. Nós sempre encontramos desculpas para separar a mãe do bebê recém-nascido.

No movimento do parto natural, uma nova teoria surgiu há um tempo atrás, uma ideia de que seria possível, imediatamente após o parto, induzir uma ligação entre o pai e o recém-nascido semelhante à ligação entre a mãe e o bebê. Isso é irrealista. A razão pela qual este é um período crítico para a mãe e o bebê está no equilíbrio hormonal especial que nunca mais vai acontecer. E esse período crítico não pode ser o mesmo para o pai. O efeito foi de introduzir outra pessoa que distrai a mãe no momento exato que ela deve liberar um alto pico de ocitocina. É a reprodução do mesmo ritual. Estamos, sempre, introduzindo rituais e crenças com o efeito de separar a mãe do bebê, e temos que redescobrir na ciência que o bebê recém-nascido precisa, em primeiro lugar, da sua mãe, e a mãe precisa do bebê recém-nascido. Vai levar tempo redescobrir esta verdade.

Por isso, devemos eliminar o que é especificamente humano, as crenças e os rituais do parto. Eliminar o que é especificamente humano significa que durante o processo do nascimento o neocórtex deve parar de funcionar. Ao mesmo tempo, temos que redescobrir, atender e satisfazer as necessidades universais que todos os mamíferos em trabalho de parto têm, que é se sentir seguro – se existe um predador em volta, a fêmea libera adrenalina para ter energia para lutar ou fugir, e vai adiar o parto até se sentir segura – e ter privacidade – todos as fêmeas de mamíferos têm estratégias para não se sentirem observadas quando dão a luz. Essas são as regras simples que devemos seguir.

No contexto científico atual pode-se dizer que a mulher foi programada para liberar um coquetel de hormônios do amor quando está em trabalho de parto. Mas hoje, a maioria das mulheres tem seus bebês sem depender da liberação desse coquetel de hormônios, muitas por fazerem cesárea e, entre as que dão a luz por parto vaginal, por não poderem facilmente liberar os hormônios em ambientes inapropriados. E como não conseguem liberar facilmente os hormônios naturais, precisam de medicamentos que os substituem: precisam de ocitocina sintética no soro, precisam da analgesia peridural para substituir as endorfinas, precisam de medicamentos para eliminar a placenta. Tudo isso bloqueia a liberação dos hormônios naturais.

Estamos em um momento hoje em que o número de mulheres que dão a luz e que eliminam os hormônios naturais do amor está tendendo a zero. Isso é uma situação sem precedentes. Os seres humanos são tão inteligentes e tão espertos, devido ao seu neocórtex, que conseguiram tornar os hormônios do amor em hormônios inúteis. Precisamos levantar questões sobre isso em termos da nossa civilização, não agora, não para esse bebê ou essa mulher, mas o que vai acontecer daqui a três ou quatro gerações se continuarmos nessa direção? Se fizermos a pergunta dessa forma e percebendo que precisamos redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido e atender às regras básicas e simples, podemos dizer que a prioridade hoje não é humanizar o parto. A prioridade hoje é mamiferizar o parto.

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