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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

“Minha vida era um inferno”, conta vítima de relacionamento abusivo

A paulista Beatriz* viveu de fato o ciclo de violência psicológica que atinge milhões de mulheres no Brasil. Aqui, ela relata detalhes da relação a fim de chamar atenção para o assunto

12.10.2016 POR DANIELA CARASCO

O dia 10 de outubro é conhecido como o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, uma data importante no que diz respeito ao combate de um problema que atinge milhões no Brasil. Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 11 minutos uma mulher é violentada no país. Cerca de 41% dos casos acontecem dentro de casa. E três a cada cinco mulheres sofreram, sofrem ou sofrerão violência - seja ela física, psicológica, moral ou patrimonial - em algum relacionamento afetivo, de acordo com a ONU. Isso faz com que ocupemos o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio. A fim de jogar luz sobre uma realidade tão grave – e dolorosa – publicaremos relatos de mulheres vítimas dos próprios parceiros, que apoiam a campanha #TambémÉViolência, da ONG Artemis em parceira com a Lush, sobre relacionamento abusivo, violência que deixa marcas invisíveis e é ainda desacreditada pelas autoridades.

“Conheci meu ex-marido quando eu tinha 19 anos, em 2008. Ele era um cara legal, me tratava bem e sempre demonstrava querer estar junto a mim. Ficamos pela primeira vez, mas descobri que ele tinha namorada. Logo, o relacionamento deles acabou.

Mas só em 2010, ele voltou a me procurar. Foi quando começamos a namorar. Ele foi até Natal me encontrar durante as férias e achei aquilo uma verdadeira prova de amor. Foi o meu primeiro pedido oficial de namoro.

Eu fazia tudo para agradá-lo. Sem perceber, vivia a vida dele – saindo com seus amigos, indo aos programas que ele gostava.

Sutilmente, ele me controlava com alguns ‘pedidos’. Interferia no meu jeito de vestir, pintar o cabelo, me arrumar... Mesmo sem me sentir à vontade, eu acabava cedendo para agradá-lo.

Em dois meses, engravidei e decidimos nos casar – achei que não fosse dar conta do nosso filho sozinha. Mudei para um apartamento que já era dele. E foi a convivência diária que me fez conhecê-lo de fato. Durante a minha gravidez, ele saia para beber, chegava de madrugada, não atendia às minhas ligações e ainda me chamava de chata. Jogava na minha cara que a vida confortável era ele quem proporcionava. Portanto, eu não podia reclamar.

Me afastei dos meus amigos, da minha família, de todos. Nossa filha nasceu em janeiro de 2011, e nada mudou. Ele continuou nos deixando em casa para curtir com os amigos – Carnaval, festas, balada. Eu só chorava.

Me sentia feia por conta das mudanças do corpo com a gravidez, e ele não hesitava em reforçar o que já me incomodava. Me chamava de gorda, me cobrava padrões, me trazia revistas como ‘incentivo’. Não me respeitava, não me ouvia.

Minha vida era um inferno. Imaginar a sexta-feira chegando era angustiante. Eu sabia que ficaria sozinha em casa, enquanto ele curtiria com os amigos. Ele chegava de madrugada, sem aliança e se recusava a dar qualquer satisfação.

Um dia, desesperada, saí correndo atrás dele na rua, rasguei sua roupa, perdi o sapato, ele me jogou contra um muro. Depois desse episódio, comecei a me sentir péssima, barraqueira, descontrolada. Entrei na terapia, que me ajudou muito.

Na época, nós morávamos na Bahia e ele quis mudar para São Paulo. Achei que seria uma boa oportunidade de ficarmos mais juntos e de ele mudar. Me sentia mal e culpada, com a autoestima limada. Mas com a mudança, as coisas só pioraram. Ele dormia fora, não me dava satisfação de nada. Até que um dia, peguei algumas trocas de e-mail dele com outras mulheres. Quando fui conversar, ele virou o jogo contra mim. Disse que eu havia invadido a privacidade dele, inventava coisas, me chamava de louca. Passei a duvidar de mim mesma.

Em 2013 tentei me divorciar. Na verdade, queria dar um "susto" para ver se ele mudava. Ele saiu de casa e ficamos seis meses separados. Me sentia muito mal, incapaz, feia, gorda, achava que ninguém mais ia me querer.

Decidi dar a ele outra chance. Ele voltou para casa, prometeu mudar... Nada adiantou. Minha vida continuou um inferno. Ele voltou a ter o mesmo comportamento, passava dias hospedado em hotéis de luxo, chegava tarde, bebia muito.

Eu vivi de fato o ciclo da violência. Ora ele era bonzinho, ora me maltratava. Ele sempre deixou claro que quem tinha o dinheiro - portanto, o poder - era ele. Sempre me humilhava e me desqualificava. Passei a me achar burra e incompetente.

No fim de 2013, decidi pedir o divórcio. Saí de casa, contratei uma advogada que não me representou como deveria e acabei assinando documentos que me fizeram abrir mão da divisão de bens. Com medo de a minha filha sofrer e de me indispor com a família dele, aceitei tudo. E ele não cumpriu nenhum dos acordos financeiros.

Ao mesmo tempo em que se negava a pagar o que era nosso por direito, vivia uma vida luxuosa. Dizia ter me tirado da pobreza e, por isso, eu deveria me dar por satisfeita.

Ainda hoje, ele não fala comigo e usa minha filha contra mim. Só agora, dois anos depois do fim do relacionamento, me reconheci como vítima de violência psicológica e ainda oscilo entre achar que estou mesmo louca, criando histórias, ou não. Ele contribuiu para que eu me sentisse uma péssima mulher, péssima mãe, um ser humano desprezível. E às vezes, isso tudo ainda vêm à tona.

Ainda não me sinto 100% segura para me relacionar novamente. É como se eu ainda precisasse curar algumas coisas dentro de mim. Mas gostaria de dizer a todas as mulheres que passam por isso que tenham coragem e procurem por ajuda. Denunciem, não se calem!”

Marie Claire

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