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domingo, 15 de janeiro de 2017

"A Bíblia não condena todas as relações homoafetivas nem o casamento gay"

Entrevista concedida pelo ativista gay cristão Matthew Vines, autor do livro Deus e o gay cristão ao jornalista Jorge Pontual, para o programa Milênio — programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
Será que é possível conciliar a fé com uma orientação sexual que muitos condenam como pecado? Matthew Vines é um jovem evangélico que escreveu o livro Deus e o gay cristão e fundou um movimento que promove a aceitação dos homossexuais pelas igrejas.
O casamento igualitário está em alta, mas, apesar dessa tendência, a religião ainda é um grande obstáculo à aceitação. Muitos cristãos conservadores acham que a Bíblia condena todas as relações homoafetivas. Isso me levou a estudar profundamente essa questão quando concluí que eu era gay. Meus pais e minha igreja no Kansas achavam que o casamento gay era errado. Mas o que descobri estudando passagens relevantes da Bíblia mudou a opinião de meus pais e de muitos outros cristãos que eu conheço. — God and the gay christian – The Reformation Project
Jorge Pontual — Eu estava fazendo uma lista de grandes homens que amaram outros homens e que deixaram contribuições imortais à humanidade, como Sócrates, Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci, Shakespeare, Beethoven, Schubert, Tchaikovsky, mais recentemente Wystan Auden, Benjamin Britten, Alan Turing... A lista é imensa, assim como a de mulheres que amam mulheres. Mas Deus as criou com uma intenção, certo? O que você acha? Fazia parte dos desígnios de Deus criar pessoas com orientação homoafetiva e também com inspiração divina?
Matthew Vines — Eu acho que o que vemos na Bíblia e na tradição cristã é que há muita riqueza e diversidade na criação divina. O início do livro do Gênesis fala das diferentes categorias da criação: masculino e feminino, animais da terra, animais do mar, dia e noite... E alguns cristãos apelam ao Gênesis 1 e 2 para dizer: “Deus criou homem e mulher e homem para mulher, então qualquer diversidade em relação à sexualidade é condenável". Mas a lógica dessas pessoas não é consistente, porque, para muitas outras categorias de criaturas, as definições do Gênesis não são tão claras. Por exemplo: os anfíbios não são apenas criaturas da terra ou do mar. Eles não se encaixam perfeitamente em apenas uma categoria do Gênesis, mas nenhum cristão faz campanha contra os anfíbios. Nós vemos os anfíbios como criaturas que cruzam limites e como parte da riqueza da criação divina. Então não há por que orientações e identidades minoritárias não sejam vistas com parte dessa riqueza e diversidade.

Jorge Pontual — Então você acha que Deus criou as pessoas que mencionei e outros homossexuais como homossexuais?
Matthew Vines — Sou de uma família cristão evangélica. Fui criado nesse ambiente, numa igreja no Kansas, Estados Unidos, e foi assim que aprendi a ler a Bíblia. Então a pergunta que acho que os evangélicos deveriam se fazer não é só se Deus criou intencionalmente pessoas que se sentem atraídas pelo mesmo sexo. Porque pode-se argumentar em diferentes direções, mas a pergunta mais importante que os evangélicos devem fazer é uma pergunta teológica, mas importante: “A atração pelo mesmo sexo é capaz de ser redimida? Ela é capaz de ser incluída entre os desígnios de Deus para a humanidade, como está previsto na Bíblia?" A Bíblia pinta um quadro de que a sexualidade humana e o casamento devem se inspirar e ter como exemplo o amor pactual de Deus e Seu compromisso de autossacrifício em relação à humanidade. Um casal, através de seu casamento, deve reproduzir esse amor pactual que Deus nutre pela humanidade. Consequentemente, faz sentido olhar a atração pelo mesmo sexo como algo capaz de fazer parte desse quadro mais amplo. É capaz de ser incluída entre os desígnios de Deus para a humanidade através do pacto que dois homens ou duas mulheres fazem um com o outro.

Jorge Pontual — Como foi o seu processo de se assumir gay para sua família e sua igreja?
Matthew Vines — A igreja que eu frequentava tinha mais de 2 mil integrantes. Era bem grande. Antes de eu me assumir, ninguém tinha se assumido gay e continuado na comunidade.

Jorge Pontual — Você foi o primeiro.
Matthew Vines — Alguns se assumiram e deixaram a igreja, porque se sentiram muito estigmatizados e marginalizados. Quando eu percebi que era gay, não quis me assumir só para meus pais, mas também para todos os nossos amigos, os meus mentores, professores e pastores da igreja. Foi muito difícil, mas aprendi muito com o processo. E o que eu aprendi durante o processo fez meus pais mudarem de ideia sobre relacionamentos gays. No início, eles não aceitaram isso em mim, mas estavam dispostos a aprender e a me ouvir porque me amavam. Quando comecei a estudar com meus pais, principalmente com meu pai, mais a fundo as Escrituras — as seis passagens da Bíblia que mencionam relações homossexuais —, ele e eu passamos a vê-las de uma forma nova e mais clara. E isso permitiu que ele continuasse a aceitar a autoridade e a inspiração divina da Bíblia e me aceitasse como seu filho gay.

Jorge Pontual — Sua família não frequenta mais a igreja. Por quê?
Matthew Vines — Não fazemos mais parte daquela igreja, porque, por mais que se tente, quando se é a primeira família numa igreja tão grande a se posicionar assim, é improvável que consiga mudar a mentalidade a ponto de transformar a comunidade num lugar que lhe dê apoio espiritual.

Jorge Pontual — Isso é algo novo. Um número cada vez maior de igrejas evangélicas e de outras denominações está começando a incluir pessoas LGBT. O que está acontecendo?
Matthew Vines — Podemos analisar de várias formas. Há 30 anos, existe um movimento nas principais igrejas dos EUA e do Ocidente em geral — são os metodistas, os luteranos, os presbiterianos, os integrantes da igreja anglicana — para reconsiderar a postura delas em relação às pessoas LGBT, e isso foi um incentivo muito grande. Já as igrejas como as que eu frequentei, evangélicas, estão nos estágios iniciais desse movimento. Nos últimos dois anos, várias igrejas evangélicas de destaque nos EUA e líderes evangélicos anunciaram que mudaram de opinião e agora são receptivos aos LGBT.

Jorge Pontual — O que é o Reformation Project?
Matthew Vines — É a organização que eu criei há cerca de três anos, e nós trabalhamos com cristãos de todo o país e de fora que buscam recursos e ferramentas para se tornarem defensores mais convincentes de pessoas LGBT em suas igrejas. No último ano, nós treinamos quase mil pessoas em várias conferências em Atlanta, Washington e em Kansas City. Nosso objetivo é: se você tem uma igreja na qual a maioria dos fiéis não aceita as pessoas LGBT, sempre há algumas pessoas que aceitam. Nós identificamos essas pessoas e damos a elas o conhecimento bíblico necessário para que elas falem, se posicionem como aliadas e plantem nas igrejas sementes que levam anos para brotar, mas queremos acelerar esse processo para que um dia as pessoas LGBT até de igrejas como a minha não precisem ser a primeira pessoa ou a primeira família a dar esses passos em sua comunidade. Elas terão aliados para ajuda-las no processo.

Jorge Pontual — Por que você insiste em continuar sendo um cristão conservador e se manter dentro desse movimento evangélico?
Matthew Vines — O motivo pelo qual continuar importa para mim é o mesmo motivo pelo qual a casa importa para muita gente. Muitas pessoas querem sair de casa, mas nossa casa é onde nosso coração está, como dizem, e tem muita gente que passa a vida toda na mesma cidade porque criou raízes lá. Existe uma riqueza e uma comunidade lá que são únicas.

Jorge Pontual — Eu li o seu livro e conheço seus argumentos, que são muito convincentes, sobre os seis textos da Bíblia que são interpretados por cristãos tradicionais como anti-gay. É fácil me convencer, mas você é capaz de convencer cristãos tradicionais só com seus argumentos? Já conseguiu fazer isso?
Matthew Vines — A primeira pessoa que consegui convencer foi meu pai. E, quando nós começamos a estudar a Bíblia, ele não achava que mudaria de ideia. Ele se agarrou à sua crença e tinha a esperança de que eu mudasse de ideia, mas não foi isso que aconteceu. Há as duas coisas. Entre cristãos conservadores que não têm relacionamentos relevantes com pessoas LGBT, é menos provável que eles mudem de ideia, mesmo que o argumento seja ótimo. Mas, quando alguém tem um relacionamento relevante como uma pessoa gay, bi ou trans, é mais provável que essa pessoa leve em consideração um argumento razoável. E, enquanto a maioria dos evangélicos não muda de posição rapidamente, alguns sabem que, no fundo, os gays devem ser aceitos e incluídos. Mas eles ainda não encontraram na teologia e na interpretação da Bíblia uma forma de serem inclusivos.

Jorge Pontual — A escravidão também está presente no Velho Testamento, assim como a Terra como centro do universo, e os cristãos não aceitam mais isso. Por que eles insistem na proibição ao homossexualismo?
Matthew Vines — O livro de Levítico proíbe o coito entre dois homens. A dificuldade disso do ponto de vista cristão é que os cristãos não seguem as leis do Velho Testamento. Há mais de 600 regras, mandamentos e proibições. E grande parte dos textos do Novo Testamento é dedicada a descrever por que os cristãos não devem seguir mais aquelas leis, porque eles seguem o Novo Testamento, não o antigo. Nós agora vivemos na liberdade de Cristo, não sob a opressão da escravidão. É assim que o apóstolo Paulo chama a lei do Velho Testamento. Portanto o fato de que relações entre homens são proibidas não determina, do ponto de vista cristão, qual deve ser a ética cristã no que tange às relações homoafetivas.

Jorge Pontual — E quanto à condenação da homossexualidade no Novo Testamento?
Matthew Vines — O Novo Testamento contém a passagem mais importante deste debate, porque ela não faz parte de uma lei que os cristãos não seguem mais. O apóstolo Paulo, no capítulo 1 do livro de Romanos, versículos 26 e 27, condena o comportamento homossexual luxurioso. Ele fala de pessoas que conheciam a verdade de Deus e o louvavam, mas se afastaram de Deus para adorar ídolos e, como resultado, Deus os abandonou às suas paixões. E eles se inflamaram em paixões, luxúrias e vícios, e ele diz que os homens “abandonaram as relações naturais, trocaram as relações naturais por outras não naturais”. As mulheres trocaram relações naturais por não naturais e os homens abandonaram as relações naturais com mulheres. Mas ele continua dizendo que eles estavam consumidos pela luxúria e por paixões. Ele descreve o comportamento como explicitamente fugaz, luxurioso, egoísta e só para satisfação própria. E os cristãos de hoje devem continuar dizendo que o comportamento sexual motivado pelo excesso egoísta e luxurioso não deve ser aceito. Mas há muitos relacionamentos gays sérios e duradouros que não têm nada a ver com isso. Não que Paulo estivesse errado, ele simplesmente não tratou desse tipo de relacionamento no capítulo 1 de Romanos.

Jorge Pontual —Eles não existiam, certo?
Matthew Vines — No contexto de Paulo, as únicas relações gays que seriam toleradas, até pelas pessoas mais liberais, seriam o coito entre o mestre e seu escravo, ou a prostituição masculina, ou a pederastia, ou seja, o coito entre um homem adulto e um garoto. Essas relações poderiam ser aceitas porque havia uma distinção de status entre os parceiros. No mundo antigo, a sexualidade era baseada no patriarcado, era baseada na superioridade do homem em relação à mulher. Em vez de o ato sexual ser uma expressão do amor, da reciprocidade e do compromisso, ele era visto como uma expressão de dominação, status e poder. Por isso, o único comportamento homossexual que as pessoas aceitavam — e Paulo fala especificamente em Romanos 1 que o comportamento que ele condena é aceito e aprovado por outras pessoas — era o comportamento que seguia essa lógica, ou seja, que expressava status, domínio e poder, e que não necessariamente significa estupro. Até o sexo consensual é visto através da lente do status. Do ponto de vista cristão, os cristãos teriam rejeitado esse comportamento porque enxergam a sexualidade como uma expressão de reciprocidade, de doação, de amor e compromisso. O comportamento homossexual que era aceito no mundo antigo não se encaixava, nesse paradigma, mas hoje os relacionamentos de muitos cristãos gays e de pessoas LGBT em geral se encaixam. Então os cristãos não precisam rejeitar Paulo, não precisam dizer que ele estava errado. Podemos simplesmente reconhecer que estamos lidando com um tipo de relacionamento do qual Paulo não tratou. Quando lemos os princípios fundamentais da Bíblia sobre casamento e sexualidade e nos perguntamos se relacionamentos homossexuais cumprem esses princípios, eu acho que sim.

Jorge Pontual — Então os cristãos devem aceitar os relacionamentos homoafetivos assim como aceitam a liberação da mulher.
Matthew Vines — Isso mesmo. E também como aceitam a abolição da escravidão. A Bíblia não diz explicitamente que a escravidão é condenável, mas ela diz que, no reino de Deus, segundo Paulo, não haverá distinção entre escravos e livres, não haverá distinção entre judeus e gregos nem entre homens e mulheres. Essas hierarquias que definem a vida na Terra, diz Paulo, são superadas em Jesus, porque em Jesus todos são iguais, e diante do trono de Deus, como parte do povo de Deus, todos temos o mesmo status. Esse é o principal argumento dos cristãos para dizer que a escravidão é condenável. Apesar de a Bíblia não dizer isso, ela nos dá princípios que apontam na direção da libertação em relação à escravidão e ao papel da mulher. E isso tem implicações significativas na interpretação sobre relações homossexuais, principalmente dado que as relações homossexuais eram consideradas “não naturais” — termo usado por Paulo — porque violavam normas de gênero patriarcais, numa sociedade em que o homem e a mulher não eram iguais. Mas se em Cristo e em Deus nós iremos para um lugar onde homens e mulheres devem ser tratados como iguais, as relações homossexuais não devem mais ser vistas como tabu por não obedecerem a normas patriarcais.

Jorge Pontual — Falamos sobre se assumir gay, mas há também a parte interna do processo, se aceitar como gay. E muitos homossexuais enfrentam autoaversão, vergonha, culpa e têm comportamentos destrutivos por causa disso. Como um cristão gay pode enfrentar tudo isso e se assumir da forma como você se assumiu, ou seja, de uma forma leve e alegre?
Matthew Vines — Claro que ajuda quando a sua família decide apoiá-lo. Isso faz muito diferença. O fator mais importante para determinar se um cristão LGBT vai se sentir oprimido pela culpa ou não é como a família, os amigos e a igreja reagem a ele. Se a igreja e a família reagem dizendo: “Você é uma abominação. Você está se rebelando contra Deus. Você não é mais um cristão fiel por ser gay”, isso inevitavelmente provocará uma vergonha profunda sobre os ombros dele, mas, mesmo que a igreja não entenda no início, se estiver disposta a dizer “nós queremos aprender. Queremos ouvir e aprender com você. Queremos crescer e caminhar ao seu lado nessa conversa”, é muito mais provável que aquela pessoa se sinta honrada, respeitada e não assolada pela vergonha.

Jorge Pontual — Uma última palavra dirigida aos cristãos gays do Brasil.
Matthew Vines — Eu diria aos cristãos gays do Brasil para terem fé e também esperança no futuro. E terem coragem de se assumir, de contar a amigos e parentes. Se você tem 15 anos e seus pais vão expulsá-lo de casa, espere alguns anos para se assumir. Espere até que tenha segurança e um sistema de apoio, mas é preciso fazer sacrifícios nesse processo, e essa é a única forma de promover mudanças. É possível. Em igrejas de todo o mundo, pessoas LGBT estão se assumindo e encontrando alguma abertura e algum apoio. Então o seu testemunho e a sua história importam. Não permita que ninguém diga o contrário.

Jorge Pontual — Você sempre sentiu que Deus o ama?
Matthew Vines — Sim, sempre. A primeira coisa que aprendi no catecismo foi que Deus me ama e ama a todos. Felizmente, graças á forma como meus pais reagiram, mesmo que não tenham entendido no início, eles nunca fizeram com que eu sentisse que Deus não me amava.

A Bíblia não trata das questões de orientação sexual ou casamento homoafetivo. Então não existe motivo para que cristãos não apoiem seus irmãos e irmãs gays. Está na hora. — God and the gay christian – The Reformation Project

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