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domingo, 22 de janeiro de 2017

Como lidar com o luto


Normalmente associado à morte de uma pessoa próxima, o luto, na verdade, é um processo que nos acompanha ao longo da vida, a cada perda que enfrentamos em nossa trajetória. Por isso não devemos negá-lo, e sim aprender com ele, é o que nos propõe Ligia Py, uma das maiores referências no assunto no país. Psicóloga com mestrado e doutorado pela UFRJ e membro  da Câmara Técnica sobre Terminalidade da Vida do Conselho Federal de Medicina e da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, ela também nos ensina: “O antídoto para a amargura e o rancor é o amor”.

Normalmente as pessoas associam o luto à morte de uma pessoa. No entanto, como a senhora diz, este é um sentimento que acompanha o ser humano ao longo de toda a existência. Pode explicar como isso acontece?
Ligia Py – O luto é um trabalho psíquico que se faz pelas perdas que vamos sofrendo ao longo da vida, e não somente quando morre uma pessoa querida. Na verdade, a nossa vida transcorre numa sucessão de perdas e aquisições. Já nascemos perdendo o conforto e a segurança do útero materno para ganharmos a vida. A criança perde o colo e ganha a capacidade de andar... e por aí vai. O adolescente faz o luto pela infância perdida e ganha o novo corpo que o introduzirá na vida adulta. Na aposentadoria, perdemos o trabalho e ganhamos a possibilidade de reconstruir atividades. Na velhice, o luto se dramatiza, pois as possibilidades de reconstrução, embora existam, são mais limitadas. O envelhecimento cursa uma trajetória de um conjunto de perdas, pequenas e grandes mortes reais e simbólicas, que afetam a pessoa idosa em sua dimensão física e em sua dimensão psicossocial: a perda do corpo jovem, do vigor e da beleza; a perda do poder e do status do trabalho; a perda das pessoas do seu convívio que começam a morrer. E tudo isso acontece numa perspectiva de tempo mais encurtado, seguindo um processo inexorável de perda progressiva de capacidades. Não é de se estranhar que, nessas circunstâncias dramáticas, algumas pessoas se obstinem em negar a realidade da velhice, numa tentativa, por vezes desesperada, de evitar o sofrimento. No entanto, é saudável fazer esse luto, uma tarefa psíquica árdua, sim, mas necessária e possível, que vai abrir possibilidades de ganhos surpreendentes até o final da vida.

Quais as implicações quando evitamos esse luto que marca o fim da juventude, as perdas que fazem parte do curso de vida? De que forma essa negação afeta o envelhecimento?

Ligia Py –  Evitar o luto cria uma barreira à realidade que está sendo vivida no envelhecimento e acaba por impedir o fluxo do processo de crescimento que todo ser vivo deve percorrer até o final da vida. Não confrontar essa realidade paralisa a pessoa numa ilusão de que a vida parou, de que o tempo não flui, impedindo-a de perpetuar-se no domínio da sua autonomia e criar recursos para lidar com as perdas que estão efetivamente acontecendo.  O descompasso entre a pujança da realidade e a obstinação da negação é paralisante e faz adoecer. Pessoas que têm experiências bem sucedidas de luto ao longo da vida demonstram maior capacidade de elaboração na entrada da velhice e são mais capazes de compreender a importância de deixar um legado generoso às gerações futuras. É pelo luto que se viabiliza a despedida do que se perdeu – e está perdido para sempre! – e, até por isso, se abre caminho para a reinvenção de novas formas de viver que poderão gerar ganhos surpreendentes.

Como construir um envelhecimento ativo e saudável? Como evitar a amargura e o rancor que muitas vezes impedem que a pessoa mais velha aproveite essa fase da vida?

Ligia Py – Um envelhecimento ativo e saudável é fruto de uma vida ativa e saudável. A ênfase na promoção da saúde, desde o nascimento, e mesmo antes, nos cuidados com a mãe no pré-natal, deve abranger a ecologia singular de cada pessoa inserida no seu contexto sociocomunitário. O compromisso é de todos, de cada um em particular e de todas as instâncias: familiar, comunitária e político-social. Na verdade, somos todos autorresponsáveis e também corresponsáveis pelos outros. Mas vale a pena prestar atenção ao fato de que, mesmo em condições de excelência de cuidados, não existem garantias de que a velhice só venha trazer saúde e alegria! A vida aponta para o imponderável que nos traz surpresas, por vezes bem desagradáveis, nas doenças inevitáveis e nas perdas de capacidades. O antídoto para a amargura e o rancor é o amor, manifestando-se através de generosidade, compartilhamento, alegria, tolerância, compreensão que impulsionem os sonhos, os projetos, as esperanças. Diferentemente da passividade da espera, que nada movimenta, nada propõe, a esperança, o projeto e o sonho exigem comprometimento na dinâmica da incansável busca de cada um de nós pelo sentido que queremos dar à nossa vida, até o fim. 

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