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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Precisamos falar sobre recursos também

POR #AGORAÉQUESÃOELAS
Por Ani Hao*
 30/12/2016
Pós-golpe, PEC 55, inúmeras tentativas de enfraquecer a Lei Maria da Penha e pré Reforma da Providência, é muito claro que o Brasil enfrenta hoje uma crise política que enfraquece os direitos humanos, a educação, a saúde e os serviços sociais da grande parte da população em nome de austeridade frente a uma crise econômica. Mas quem definiu e articulou essa crise econômica? A crise atual de inflação, desemprego e dívidas vem de um sistema que valoriza a produção de capital mais do que as próprias vidas das pessoas. Em uma enquete sobre as percepções do PIB (Produto Interno Bruto), apenas 25% dos que responderam acreditam ser o PIB um bom indicador de desenvolvimento e prosperidade, contra a grande maioria, 75%, que afirmou o contrário.
A lógica desse modelo econômico prejudica os grupos socialmente marginalizados pela herança histórica de colonização, escravidão e exclusão do sistema político e econômico. Isto é claro quando olhamos a situação das mulheres no mundo: o sistema econômico e o mercado de trabalho sistematicamente as oprimem e marginalizam. No Brasil, 90% dos beneficiários do Bolsa Família são mulheres – são elas que sustentam suas famílias sem que tenham de fato as condições para sustentá-las.
A crise castiga as mulheres mais do que os homens: entre as elas o desemprego é 30% maior que entre os homens. Se o recorte for para mulheres pretas e pardas, este número sobre para 47% de desocupação. Finalmente, entre todas essas mulheres, são as jovens em idade fértil as que mais sofrem.
Para as mulheres que trabalham professionalmente prol direitos das mulheres no Brasil, a situação é de uma crise há bastante tempo. A AWID, uma das maiores associações de organizações feministas no mundo, tem feito pesquisas inéditas sobre o financiamento de organizações feministas nos últimos 10 anos, e os resultados são deprimentes: as ONGs lideradas por mulheres com uma perspetiva feminista geralmente operam com menos que $20,000USD por ano. É ainda pior para organizações lideradas por jovens mulheres: o orçamento anual é em média de $5000USD e um quarto dessas organizações estão operando sem dinheiro nenhum, segundo o FRIDA The Young Feminist Fund, o único fundo no mundo para jovens feministas. No Brasil, o contexto é ainda mais complicado que o internacional. O Estado parou de financiar várias organizações que trabalham em prol dos direitos das mulheres, assim como algumas fundações, uma vez que o pais foi categorizado “da renda média” internacionalmente.
É preciso pensar em sustentabilidade econômica para nossos movimentos feministas que muitas vezes fazem o trabalho social de um Estado ausente e lutam por direitos que o Estado viola. Pensar em soluções para a crise significa também pensar em novos paradigmas econômicos. Um approach que vem se desenvolvendo desde o início da década de 1990 é a economia feminista, teoria que visa contrapor alguns pontos da teoria neoliberal, entendendo-a como androcêntrica, patriarcal e machista. Por isso, aborda questões como a divisão de trabalho doméstico, a segregação horizontal e vertical no mercado de trabalho e intersecções de raça, classe e outras dimensões de opressão.
Um dos modelos que pode considerar esses elementos é a economia colaborativa, onde há troca de produtos e serviços e compartilhamento de espaços e recursos. Isso acaba incentivando e consolidando a criação de comunidades de pessoas que compartilham valores e interesses mútuos e, portanto, a solidariedade. Unir a economia feminista à economia colaborativa é, portanto, algo quase óbvio, uma vez que ambos os modelos reconsideram relações de poder em estruturas mais planas e participativas e pensam o compartilhamento a fim de distribuir melhor recursos – materiais ou não.
Os conceitos da economia feminista e da economia colaborativa são a base de projetos pelo Brasil que visam fortalecer as mulheres não só economicamente mas também como protagonistas e não sujeitos do Estado. Por exemplo, a Casa Feminária é o primeiro co-working feminino de todo Brasil e destaca uma programação de oficinas e debates sobre os direitos das mulheres como empreendedoras. Agora Juntas, do qual eu faço parte, é uma rede de coletivos, movimentos, ONGs e mulheres no Rio de Janeiro criando uma casa colaborativa feminista. E ainda, iniciativas de crowdfunding usando mediums inéditos como Deixa Ela em Paz e Revista Azmina.
A melhor estratégia de combater a desigualdade de gênero e a violência contra as mulheres é de apoiar os movimentos feministas locais. Parece que ninguém escuta e que é nós por nós. Em 2017, que sejamos mais solidárias, generosas, acolhedoras umas com as outras. Que colaboremos cada vez mais, da forma que pudermos, participando nas campanhas e iniciativas das outras ou doando um dinheirinho extra para o crowdfunding. Nossas lutas transformam a sociedade sim, e não podemos desistir. Precisamos falar sobre recursos e a sustentabilidade de nosso trabalho.
* Ani Hao, pesquisadora, escritora, ativista, e empreendedora do projeto Agora Juntas – uma rede colaborativista de mulheres que está criando um espaço colaborativo feminista no Rio de Janeiro. 

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