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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Ter celulite não é nojento, é normal

30.01.2017

Quanto a este tema, posso resvalar um bocadinho para a generalização: a grande maioria das mulheres deste mundo tem celulite (julgo que entre as caucasianas ronda mesmo os 90%). E essa mesma maioria vive convencida de que isto é um problema grave no que toca à beleza, desconsiderando o seu próprio corpo, a sua percepção corporal e, é claro, a sua autoestima. Já por aqui falei várias vezes da modelo Ashley Graham, da qual me assumo fã há vários anos, mesmo quando ainda lhe recusavam trabalhos ou a achavam demasiado grande para ser considerada sexy. Hoje, é agraciada por publicações femininas um pouco por todo o mundo, considerada um ícone de beleza e uma fonte de inspiração no que toca à aceitação corporal para lá dos habituais estereótipos e medidas supostamente perfeitas. Uma das últimas mensagens que tentou passar foi sobre celulite. E sabem que mais? É provavelmente a sua mensagem mais aplaudida, partilhada e comentada de sempre.
Basicamente, Ashley Graham aproveitou o facto de estar em biquíni na praia para fotografar aquilo que muito poucas mulheres se atreveriam a fazer: a sua perna dobrada, numa posição que deixava em destaque toda a sua celulite. Ao lado da imagem, a frase: “Eu faço exercício. Faço o meu melhor para comer bem. Amo a minha própria pele. E não tenho vergonha de saliências, buracos ou celulite... vocês também não deviam ter”. Ashley Graham tem muita popularidade no Instagram e as suas fotos fazem sempre furor. Mas esta, sem qualquer ponte para o habitual glamour das passarelas, sem maquilhagem ou recurso a lingerie sexy (aquela que conseguiu levar à Semana da Moda de Nova Iorque, lembram-se?), é a mais aplaudida de sempre.


A mensagem de Graham pode parecer básica, ou até mesmo sem interesse. Mas não é bem assim e os números associados ao post ajudam a percebê-lo. Além de quase 350 mil “likes”, já gerou mais de 8 mil comentários (no que toca a Instagram é um número bem avantajado). Quase todos (dei-me ao trabalho de ir ver uma boa parte deles) em tom de agradecimento. A verdade é que a celulite é diabilizada há décadas, considerada como algo inestético, nojento e que, como óbvio, nos deve envergonhar. Houve toda uma série de gerações de mulheres que cresceu a acreditar que ter celulite significava ser desmazelada, preguiçosa, gorda ou pouco atraente, e que faz de tudo para a esconder.
Da celulite, às estrias, passando pela barriga ou até mesmo o tamanho dos peito,l conheço mulheres que passaram anos sem ir à praia por causa dos complexos com o corpo. Outras que só iam apetrechadas pelo pareo à volta da cintura, que servia exclusivamente para esconder as coxas e o rabo, não fosse alguém ficar indignado com a pele casca de laranja das coxas e rabo. Conheço mulheres que até hoje não se sentem à vontade para, por exemplo ir fazer uma massagem. Mulheres que vivem na escravatura da dieta, dos lasers, das ondas de choque e dos cremes milagrosos para conseguirem ter umas coxas dignas de fotografia retocada em Photoshop. Ao longo dos anos fomos entupidos por artigos de revistas que nos dizem tudo o que precisamos de saber para nos vermos livres da celulite, forçando-nos a acreditar que as tais imagens tratadas em computador podem ser uma realidade à distância de um produto de beleza. E a mensagem que fica é esta: temos de nos ver livres da celulite. Acima de tudo, porque é feia. A saúde nunca é a questão.


Não é, portanto, de estranhar que Ashley Graham seja tão aplaudida por partilhar esta imagem. Tal como não é de estranhar que tenha sido amplamente aplaudida quando conseguiu levar às passarelas de Nova Iorque a sua linha de lingerie para mulheres que vestem acima do tamanho 42 ou que tenha exigido que a boneca Barbie que foi inspirada em si, chegasse ao mercado com coxas grossas e uma barriguinha (entre os pedidos da modelo estavam também as marcas de celulite, mas tecnicamente era difícil fazê-lo).
Esta última imagem, que tanta gente tem agradecido a Graham por partilhar, serve exclusivamente para a normalização de algo que é comum e, até certo ponto, inofensivo para a saúde. Que não está exclusivamente associada a desmazelo, falta de exercício físico (lembram-se das piadinhas feitas às coxas com celulite da Serena Williams, por exemplo?) ou obesidade (não vamos confundir as mensagens!). Claro que excesso de peso, má alimentação e sedentarismo são factores de risco para a celulite, mas convenhamos: a maioria das miúdas, mais ou menos gordas, começa a tê-la logo na adolescência. Está na altura de começarmos a desmistificar isto, de forma a que não seja um fardo de insegurança e vergonha que carregam consigo a vida inteira.

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