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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O Supremo por elas



A morte do ministro Teori Zavascki deixou em aberto a vaga que ele ocupava no Supremo Tribunal Federal. O anúncio da possível indicação de Alexandre de Moraes, pelo presidente em exercício, para ocupar o cargo tem sido alvo de inúmeras críticas – e não sem razão. Quando Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, uma jovem de 18 foi estuprada durante uma tentativa de roubo em uma estação de metrô da capital e o crime ganhou a atenção da mídia, em 2015. À época, sua declaração sobre o caso foi absolutamente desumana: “Não se consumou o roubo do cofre. É importante que isso seja colocado para mostrar que há segurança onde se guarda os valores no Metrô” – ou seja, para ele, a segurança das mulheres não tem qualquer importância.
A presença de alguém assim no Supremo é um risco. O STF é um órgão vital na manutenção e garantia de direitos do povo e a sua atuação impacta diretamente, inclusive, nos direitos das mulheres. Mas você sabe exatamente como isso acontece? Para efeito de exemplo, considere a seguinte situação: um homem de 19 anos inicia um relacionamento com uma menina de 8 anos de idade. Aos 13, ela o denuncia. O Tribunal de Justiça do estado onde o crime ocorreu absolve o homem sob a alegação de que a vítima tinha “grau de discernimento” e “nunca manteve relação com o acusado sem a sua vontade”.
A constituição brasileira determina como estupro qualquer ato sexual praticado contra menores de 14 anos de idade, mas a condenação do homem só aconteceu após o caso ter chegado ao Supremo Tribunal Federal. A decisão, de 2015, determinou que o sexo ou “qualquer ato libidinoso” envolvendo adultos e menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, independente do consentimento da vítima.
A partir de então, qualquer caso semelhante deve obedecer à essa interpretação da constituição feita pelo Supremo, que é a última instância do poder judiciário.  Essa é a função do Supremo Tribunal Federal: como guardiões da constituição, suas decisões servem de exemplo para tribunais em todo o país. Formado por 11 ministros (pois indicados pelo Presidente da República) em cargos vitalícios, devem fazer parte do Supremo pessoas capazes de defender a constituição em consonância com os valores da nação – e isso inclui debates modernos como os direitos das pessoas trans, aborto, casamento homoafetivo, entre outros.
Para entendermos melhor o funcionamento desse órgão crucial para a conquista de direitos e salientarmos a importância do envolvimento da população na decisão de quem vai ocupar o cargo deixado por Teori, convidamos três mulheres para responder duas perguntas sobre o STF: Debora Diniz, pesquisadora na Anis – Instituto de Bioética e integrante da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas, do Ministério da Saúde; Daniela Teixeira, vice-presidente da OAB/DF; e Amarílis Costa, advogada e co-fundadora do projeto Preta e Acadêmica.

O que é o STF e como ele funciona?

Débora – O Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta corte no país, o que significa no Brasil duas coisas: é o tribunal de última instância, ou seja, que pode decidir os últimos recursos sobre um caso apresentado a outros tribunais, e é ao mesmo tempo o tribunal constitucional, ou seja, aquele que decide os litígios voltados especificamente a questionar leis ou normas que podem estar em conflito com a Constituição Federal. Essas funções são muito importantes porque fazem com que o STF tenha a última palavra em controvérsias surgidas em outras instâncias do poder judiciário brasileiro e ainda seja a corte responsável por interpretar e garantir a aplicação dos direitos fundamentais previstos na Constituição, como direito à igualdade, à não-discriminação e à saúde, por exemplo. É por isso que foi o STF que decidiu casos importantes como o direito à união civil para casais do mesmo sexo, a constitucionalidade das cotas raciais em universidades e o direito ao aborto em casos de anencefalia, todos casos constitucionais.
Daniela  O Supremo Tribunal Federal é quem decide todos os direitos que nós temos. Tantos o que estão escritos, quanto os que não estão escritos, como por exemplo a questão de um casamento homoafetivo ser considerado uma família. Foi o Supremo que considerou isso, não foi nenhuma lei. Pelo contrário, a constituição fala que família é a união entre um homem e uma mulher, e foi o Supremo Tribunal Federal que alargou isso com base no princípio da dignidade humana e disse que uma união homoafetiva é uma família. E essa não é uma importância apenas semântica de “Eu apenas quero que a minha família seja chamada de família”. Por exemplo, se a pessoa quisesse um financiamento para construir uma casa, antes o banco poderia negar o valor para um casal homoafetivo alegando que eles não eram uma família. A partir da decisão do supremo, não pode mais. Um cartório poderia se negar a fazer uma união estável entre duas mulheres. A partir da decisão do supremo, não pode mais. Então não são coisas abstratas. O Supremo dita a nossa vida real, lida com o que a gente faz no dia a dia em diversos assuntos, então é muito importante que a sociedade toda se mobilize para saber quem vai sentar nessa cadeira. O que essa pessoa pensa? Está em consonância com o pensamento da sociedade, com o que o Brasil quer, com o que o Brasil precisa? Ou não está? Isso é feito em todos os países do mundo. Quando, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump anunciou o seu candidato a ministro do supremo, no dia seguinte todos os jornais colocaram na capa quem é o candidato, o que ele pensa, o que ele já fez na vida – a  dele é virada do avesso, ele passa por uma sabatina duríssima do senado americano. Esse é o certo. Não podemos achar que a indicação de um ministro do supremo é algo insignificante, que serve de enfeite. É muito importante que as pessoas, e em especial aquelas tem os seus direitos constantemente sob ameaça, como são as mulheres fiquem muito atentas a essa nomeação.
Amarílis – O STF é o órgão máximo do poder judiciário. O Supremo fala em nome de todo o judiciário.  Um dos primeiros ensinamentoS que os estudantes de direito recebem sobre o STF é de que ele é o guardião da constituição. Em alguns outros países, essa função é chamada de corte constitucional. O mais importante a se entender sobre o STF é a sua função de intérprete da constituição. No atual contexto, e falando sobre a Constituição de 1988, que é considerada a constituição cidadã do nosso estado democrático de direito. Ela versa sobre vários temas sociais e é o símbolo máximo do alcance da democracia aqui no Brasil. O STF tem a importância de ser o guardião dessa constituição de direitos e, principalmente, um intérprete de todos esses ensinamentos e inspirações para que sejam feitas as outras leis infraconstitucionais.

Como o STF pode influenciar nos seus direitos como mulher?

Débora – Justamente por ter essa dupla função, as decisões da corte são muito importantes em matéria de garantia de direitos – e dessas decisões não cabe recurso a nenhuma outra instituição. Foi o STF que decidiu controvérsias sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, por exemplo, afirmando a importância e os modos corretos de interpretar a lei que visa a proteger os direitos das mulheres a uma vida sem violência. Tramitam neste momento no STF outros casos importantes, como a ação para proteger os direitos das mulheres e crianças afetadas pelo vírus zika, incluindo o direito ao aborto para as mulheres infectadas e em sofrimento pela epidemia, o direito à alteração de nome e registro civil de sexo em documentos para pessoas transexuais, sem necessidade de comprovação de cirurgia de modificação do corpo, e o direito ao reconhecimento da autoidentificação de gênero. Em todos esses casos o novo ministro indicado poderia atuar e teria participação crucial.
Daniela – Completamente. Qualquer direito que você tenha vai ser interpretado. Ou seja, ele poderá ser dado ou tirado de acordo com a intepretação do Supremo Tribunal Federal. Não cabe recurso. A decisão do Supremo se reflete no dia a dia, no direito, na vida das pessoas. É uma decisão que encerra o assunto. É muito importante que a gente saiba quem são as pessoas que estão lá. Não é a lava jato. A lava jato vai passar. Ela é muito importante, está passando o Brasil a limpo, etc, mas ela vai passar e o ministro que for escolhido vai ficar 15, 20 anos lá. Nós temos casos de ministros que estão lá há mais de 25 anos, como o ministro Marco Aurélio. Um dos candidatos tem 36 anos – ele ficaria lá por 40 anos. É mais do que a minha próxima geração. É uma decisão que tem que ser muito debatida pela sociedade. É muito importante debater quem será o próximo ministro do supremo, não pode ser feito em um gabinete, escolhido um amigo do presidente que não tem, de forma nenhuma, um pensamento consonante com a sociedade brasileira.
Amarílis – Para falar como o STF influencia a vida das mulheres a gente precisa pensar nos três poderes, nas três esferas de poder que regem nosso país atualmente. O nosso poder legislativo tem uma característica atual de ultraconservadorismo em algumas pautas sociais, que são necessárias para o debate do direito moderno e para a questão, por exemplo, da liberdade de expressão, questões de gênero, questões relacionadas à existência de cada indivíduo são vistas com influência religiosa, ou trazendo reflexões muito arcaicas que não consideram questões modernas e que são interessantes, alguns debates de fatos sociais mais abrangentes. Então, o que acontece é que a influência do STF para os direitos das mulheres atualmente é exercendo funções atípicas de legislador. Naquelas pautas em que o legislativo ainda é retrógrado, o STF é uma possibilidade de conseguirmos uma ampliação de direitos. Essa prática é chamada de ativismo judiciário. Esse ativismo não é ideal, pois senão não precisaríamos de três esferas autônomas de poder, mas dentro desse ativismo judiciário existiram conquistas muito importantes. A conquista da união estável por pessoas do mesmo sexo, que foi o caminho para a aquisição do direito ao casamento. Em novembro do ano passado, o STF decidiu abrir a discussão sobre a descriminalização do aborto e existem também algumas outras pautas que são validadas pelo STF.  Um exemplo disso foi a questão da lei de cotas. Ela permeou e seguiu todos os processos legislativos por mais de uma década, mas só foi confirmada e o direito só foi alcançado e regido na sua efetividade a partir do momento em que houve um julgamento no supremo. A atuação do STF na questão de direitos é enorme e muda, sim, a vida prática. Há dois anos um casal de mulheres não podia casar, não poderia adquirir uma série de direitos que derivam do casamento, como herança e pensão por morte. Foi uma decisão do STF no bojo de função atípica de legislador permitiu que os nossos atos típicos da vida civil fossem efetivos. A igualdade de direitos também pode ser conquistada através do STF.
Porém, uma coisa que deve ser pontuada em relação ao STF e sua função atípica de legislador é que é uma faca de dois gumes. Ao passo que ele pode, sim, influenciar em correntes modernas, como a questão do aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo, existe também uma atuação do STF relacionada ao direito penal que ultimamente tem sido extremamente retrógrada, que tem sido um veículo de restrição de direitos. E que afeta, sim, as mulheres, porque essa restrição de direitos penais afeta a camada mais pobre da população, que são os negros e as mulheres negras. Um exemplo, é a questão relacionada à presunção de inocência. Então essas discussões nas cortes supremas elas acabam por permear e mudar sim, e muito, a nossa vida prática, o nosso dia a dia.

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