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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

"Semana que vem"

Adiar o encontro ao infinito é uma forma educada de sinalizar que ele não vai acontecer

IVAN MARTINS
08/02/2017

Em São Paulo, a expressão “semana que vem” virou o novo jeito de dizer “uma hora dessas”. Na forma de resposta a um convite, as duas significam a mesma coisa: “nunca”.

Funciona assim: você convida a pessoa para fazer algo em sua companhia e ela responde, na maior simpatia, “Vamos na semana que vem. Nesta não dá”. Se você, ingenuamente, voltar a procurá-la na semana seguinte, vai deparar com outra sequência de dias ocupados e com a proposta, claro, de que o chope, o almoço, o café ou o cinema fiquem para a... “semana que vem”.

Mesmo o mais tonto dos homens – ou a mais distraída das mulheres – percebe o que a expressão significa na terceira vez em que ela aparece: aquele ser humano não está interessado em sair com você. Adiar o encontro ao infinito é uma forma educada de sinalizar que ele não vai acontecer.

Eu descobri o significado oculto de “semana que vem” por meio de um amigo. Foi ele quem me alertou para o novo padrão. A expressão apareceu uma vez na vida dele. Depois outra. Quando leu pela terceira vez as mesmas palavras no WhatsApp, teve uma súbita compreensão, e, com ela, uma onda de vergonha retroativa: as mulheres estavam dizendo “não” havia muito tempo, mas ele não tinha notado.

Toda rejeição nos faz sentir patéticos. Dá um desconforto profundo, que mistura vergonha pela situação e raiva de si mesmo. “Quem mandou eu me expor desse jeito?” Mas, quando a gente demora a perceber, é ainda pior. Além de patéticos, nos sentimos burros – e expostos ao ridículo.

Como só percebi o que “semana que vem” significa com ajuda do amigo, depois de ter ouvido as mesmas palavras umas 20 vezes, imaginem como eu estou me sentindo. Se alguém me disser “semana que vem” nos próximos dias, choro.

Mas, atenção: imprevistos também acontecem. Ontem, terça-feira, eu iria almoçar com um amigo e jantar com outra. O amigo cancelou 24 horas antes, por uma demanda inesperada no trabalho. Tentaremos “esta semana”. O pai da amiga rompeu os ligamentos e seria operado hoje. Noite no hospital para ela e jantar adiado para mim. Jantaremos, espero, na “semana que vem”.

Quero dizer, com isso, que compromissos também são cancelados contra a vontade das pessoas. Nem todo adiamento é sinal de desinteresse. Deve existir uma semana tão cheia de trabalho que torne impossível jantar, almoçar, tomar café, sentar no sofá, falar por Skype ou trocar um telefonema reconfortante com alguém de que você goste.

OK, pensando bem, não existe uma semana assim tão ocupada, mas vocês entenderam o espírito da coisa: fique ligado para não fazer papel de chato, mas não se deixe cair na paranoia.

Para nós, homens, é mais fácil. Temos experiência nesse tipo de coisa. A gente escuta evasivas desde os tempos bíblicos. Basta ingressar na adolescência para descobrir as centenas de formas que um “não” pode tomar na boca, no rosto e na linguagem corporal de uma mulher. A mais traumática, para mim, é também a mais banal.

– “Vamos dançar?”

– “Não.”

Que vergonha, na frente de todo mundo!

Agora, com a mudança dos costumes, também as mulheres estão experimentando a mesma sensação. Elas tomam a iniciativa no contato com os homens e levam de volta uma esnobada. Na balada, na escola, no trabalho, no Happn. Os bonitões, claramente, não estão aceitando qualquer convite: “Vamos marcar semana que vem”.

Não tenho juízo de valor a fazer sobre isso. É um fato da vida. As pessoas manifestam seu desejo e se confrontam com o desejo do outro. É importante que haja liberdade para as duas atitudes. Eu não gostaria de viver numa cidade onde não pudesse me aproximar (sem grosserias) das pessoas que me atraem. E ninguém gostaria de viver num lugar onde não fosse possível dizer não. É importante abraçar essa dimensão da nossa liberdade. Ela é essencial ao projeto.

Também gosto de pensar que existe ganho existencial no confronto com a realidade. Disse isso ao amigo chateado com as rejeições. Imagine se nos trancarmos em casa, se nunca nos expusermos, se tivermos medo de nos oferecermos aos outros – o que será da nossa vida erótica ou sentimental?

É saudável o exercício de se abrir e tentar. O risco de lançar a ponte na direção do outro e ver o que acontece me emociona. Surpresas agradáveis nos esperam, assim como decepções. Uma e outra nos mostram que estamos vivos.

Há, claro, temporadas inteiras em que estamos tão frágeis que é melhor não nos expormos ao julgamento alheio. Essas são as horas de recolhimento. Nesses momentos, amigos são a melhor companhia. Amantes que nos recebem sem conflitos também. Ambos nos protegem de uma forma que o jogo de sedução não permite. Seduzir implica dar a gente estranha uma chance de nos ferir. Há dias em que não estamos para isso.

Ontem, o amigo que me alertou para a “semana que vem” veio com uma novidade. Conheceu uma garota interessante no Happn, depois de receber um “charme” dela. Vocês sabem como isso funciona? Se você marcou alguém e não deu match, existe a chance de apelar – mandar um charme, convidando a pessoa a olhar o seu perfil. Ela mandou, ele olhou, gostou, estão falando e combinando sair nesta semana. Ou na outra. A vida dele, assim como a dela, continua na semana que vem. Não é uma tremenda boa notícia?

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