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sábado, 18 de fevereiro de 2017

“Você notou que a gente está em crise?”

Os homens têm uma dificuldade patológica em perceber os sentimentos das parceiras, e nem sempre isso produz situações engraçadas

IVAN MARTINS
15/02/2017

As mulheres adoram fazer piada sobre a insensibilidade masculina para as nuances do relacionamento. Elas acham que os homens são incapazes de perceber até os sintomas mais óbvios da insatisfação feminina. De vez em quando, mesmo em relacionamentos sólidos, isso provoca um tipo de conversa surreal, que começa assim: “Fulano, você notou que a gente está em crise, não é?”.

Isso não acontece apenas na sua casa ou no seu relacionamento. Ocorre em toda parte.

Nós, homens, temos uma dificuldade patológica em perceber o que se passa com as nossas parceiras. Vivemos num universo próprio, quase impermeável aos sentimentos e à lógica feminina. Além de excessivamente autocentrados, temos sérias dificuldades cognitivas em assuntos emocionais. As mulheres dizem uma coisa, entendemos outra. Sinalizam numa direção, olhamos para outra. Por isso, somos surpreendidos por decisões e atitudes que não nos pareceriam possíveis, nem sequer imagináveis.

Uma vez, voltando para casa do trabalho, vi minha mulher na porta de uma imobiliária, perto da nossa casa. Eu parei o carro, surpreso, e desci para perguntar o que ela estava fazendo. A resposta foi triste e direta: estou procurando apartamento. Eu sabia que as coisas entre nós estavam esquisitas, mas não fazia ideia de que a situação era tão grave.

Pelo que me contam, desencontros dessa magnitude acontecem toda hora. O cara está lá, tranquilo, achando que seu relacionamento está OK, enquanto, do ponto de vista da mulher, a coisa está fazendo água por todos os lados, faz tempo.

Na hora em que o desenlace acontece – quando a mulher vai para a imobiliária, bota o gajo para fora de casa ou encerra o namoro, peremptoriamente – a reação dele é de pura perplexidade: “Mas, como, até ontem estava tudo bem!!!???”.

Não, meu caro, não estava.

Os homens parecem ter expectativas mais baixas que as mulheres em relação à vida conjugal. Depois que se envolveu, namorou e foi morar junto, o cara engata a quinta marcha e deixa de se preocupar. Sente-se indemissível, funcionário concursado. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, se acha preso. As coisas entre os dois mudam, começam a se deteriorar – no sexo, na conversa, no convívio –, mas ele não se mexe para arrumá-las. Raros são os homens que se empenham em preservar a relação mais importante da vida deles. A maioria faz as coisas do seu jeito, e dane-se.

Isso não acontece por desamor. É que os homens – acreditem – são emocionalmente preguiçosos, e a manutenção emocional de um relacionamento de longo prazo dá muito trabalho. É mais fácil pensar que as mulheres são chatas, virar de lado e dormir. Ou fingir que dorme.

Por baixo da máscara de autossuficiência masculina, evidentemente, existe muita insatisfação. Mas, por um mecanismo estranho e fatalista, ela não costuma se dirigir à mulher de carne e osso que está ao lado do sujeito, mas à relação que os mantém ligados.

Não é aquele namoro que está chato, é namorar que é chato. Não é a mulher dele que está sendo controladora, mulheres são controladoras. Não é o sexo na casa dele que perdeu a graça, é o sexo que não tem graça em relação estável nenhuma. Se o cara pensa assim, não adianta mesmo cuidar da relação: todas serão iguais, tudo vai virar a mesma porcaria. É só uma questão de tempo.

Quando as coisas vão mal nos relacionamentos, as mulheres sofrem mais. Talvez por serem presentes emocionalmente. São elas que enxergam os problemas primeiro e tentam resolvê-los. Elas que tomam atitudes ou iniciam conversas. Os homens se escondem no silêncio, que abriga fantasias sexuais ou românticas. Em vez de lidar com a realidade, eles se consolam na mediocridade emocional do chuveiro – ou nos flertes com a mulherada ao redor. É tudo parte da mesma coisa.

Claro, isso não é regra. Toda generalização é injusta. As exceções se contam aos milhões. Há homens sensíveis e cuidadosos, atentos aos detalhes dos relacionamentos e aos sentimentos quase imperceptíveis de suas mulheres. Mas eles são a maioria? Tomando por mim e pelos caras que eu conheço, não.

O descompasso emocional entre homens e mulheres ajuda a entender o que acontece nas rupturas.

As mulheres consideram o caso resolvido ao fazer as malas. Elas pensam, sentem e agem dentro do relacionamento. Depois, já era. O cara, que andava meio avoado, que não prestava atenção ao dia a dia do casal, que nem sabia que havia uma crise, leva um susto e despenca das fantasias para a realidade – e aí, muitas vezes, descobre que ama, que quer, que não vive sem. Uma tristeza. Quantas vezes você viu isso acontecer? Eu mesmo já cometi esse erro mais de uma vez. Espero não cometer de novo.

O segredo das boas relações, daquelas que persistem no tempo e no afeto, talvez esteja em equilibrar a atenção das mulheres aos detalhes – que pode ser excessiva – com a atitude desencanada dos homens, que tem lá sua utilidade.

Casais espertos conseguem combinar um pouco menos de intensidade feminina com um pouco mais de atenção masculina. Ou o inverso, se as personalidades forem menos convencionais. É isso que as pessoas chamam de compatibilidade. Cada um tem seu jeito na relação, mas todo mundo está atento, e tentando.

Pensar que o relacionamento é um emprego, e que qualquer um pode ser demitido se parar de se esforçar, talvez ajude a manter o casal na linha. Não é uma ideia romântica, mas é realista. Melhor do que agir como adolescente displicente e perceber – um belo dia – que o carro de mudança está na porta e que a pessoa que você ama está mudando de endereço. Já aconteceu comigo, já aconteceu com um monte de gente. É uma tristeza enorme, que talvez pudesse ser evitada.

Época

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