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quinta-feira, 20 de abril de 2017

Cultura de paz e mediação de conflitos nas escolas

Cristina Lobato
A mediação é uma tecnologia social que permite a humanização do conflito ao possibilitar um fluxo contínuo de comunicação no qual as pessoas envolvidas são cocriadoras do processo e do resultado.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Na sociedade contemporânea vivemos em um momento de transição: os seres humanos com os avanços da tecnologia hoje dispõem de ferramentas tanto para a destruição do planeta, quanto para a potencialização de seus recursos. O caminho pelo qual percorreremos depende de uma mudança cultural: da violência para a paz.
Temos pessoas, temos conhecimentos e temos recursos. Por que então não mudamos? E o que é a Cultura de Paz? Essas perguntas iniciam a reflexão sobre como os seres humanos podem estabelecer convivências mais significativas, orientadas por uma visão mais humanizada do conflito.
O conflito é inerente às relações, na medida em que eclode diante da forma como as pessoas reagem a uma diferença. Assim, o conflito não é em si positivo ou negativo, são as escolhas que fazemos a partir dele que geram ações que nos conduzem ao aprendizado ou ao abismo.
Conflito é crise e como tal, uma oportunidade. Oportunidade de se olhar a partir da relação com o outro. Assim, humanizar o conflito é acreditar no potencial criativo dos seres humanos para lideram com os problemas e construírem novas formas desejáveis de relações.
E como podemos transformar a cultura da violência em cultura de paz? As práticas não adversariais de gestão de conflitos são boas pistas para esse caminho, apresentando trilhas pelas quais podemos percorrer com base nos valores da confiança, da cooperação, do cuidado e da empatia. Assim, a Mediação de Conflitos, a Justiça Restaurativa e a Comunicação Não-violenta são tecnologias sociais potentes para um novo olhar para os conflitos.
A Cultura de Paz iniciou-se oficialmente como um movimento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 1999 com o objetivo de prevenir situações que possam ameaçar a paz e a segurança, dentre as quais podemos destacar o desrespeito aos direitos humanos, discriminação e intolerância, exclusão social, pobreza extrema e degradação ambiental.
Por meio da Resolução 53/243 de 6 de outubro de 1999 se apresentou a Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU), documento no qual se reconhece ser a paz não apenas a ausência de conflitos, mas que também requer um processo positivo, dinâmico e participativo em que se promova o diálogo e se solucionem os conflitos dentro de um espírito de entendimento e de cooperação mútuos.
O artigo 1º conceitua a Cultura de Paz como um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados:
a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;
b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional;
c) No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;
e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-ambiente para as gerações presente e futuras;
f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;
g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens;
h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação;
i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz.
Esse mesmo documento apresenta o Programa de Ação, por meio do qual são consolidadas medidas para promoção uma Cultura de Paz por diversos meios, dentre os quais, o item 09 refere-se à educação:
a) Revitalizar as atividades nacionais e a cooperação internacional destinadas a promover os objetivos da educação para todos, com vistas a alcançar o desenvolvimento humano, social e econômico, e promover uma Cultura de Paz;
b) Zelar para que as crianças, desde a primeira infância, recebam formação sobre valores, atitudes, comportamentos e estilos de vida que lhes permitam resolver conflitos por meios pacíficos e com espírito de respeito pela dignidade humana e de tolerância e não discriminação;
c) Preparar as crianças para participar de atividades que lhes indiquem os valores e os objetivos de uma Cultura de Paz;
d) Zelar para que haja igualdade de acesso às mulheres, especialmente as meninas, à educação;
e) Promover a revisão dos planos de estudo, inclusive dos livros didáticos, levando em conta a Declaração e o Plano de Ação Integrado sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia3 de 1995, para o qual a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura prestaria cooperação técnica, se solicitada;
f) Promover e reforçar as atividades dos agentes destacados na Declaração, em particular a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, destinadas a desenvolver valores e aptidões que beneficiem uma Cultura de Paz, inclusive a educação e a capacitação na promoção do diálogo e do consenso;
g) Estimular as atividades em curso das entidades ligadas ao sistema das Nações Unidas a capacitar e educar, quando for o caso, nas esferas da prevenção dos conflitos e gestão de crises, resolução pacífica das controvérsias e na consolidação da paz após os conflitos;
h) Ampliar as iniciativas em prol de uma Cultura de Paz empreendidas por instituições de ensino superior de diversas partes do mundo, inclusive a Universidade das Nações Unidas, a Universidade para a Paz e o projeto relativo ao Programa de universidades gêmeas e de Cátedras da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Em especial as alíneas “b” e “f” tangenciam mais o enfoque desse artigo, na medida em dialogam com o tema do desenvolvimento de práticas para gestão do conflito de forma não adversarial em diferentes contextos, especialmente o escolar.
Segundo Lia Diskin:
Para Aristóteles, o caráter, a natureza ou índole humanos, visam o bem, “toda arte e toda investigação e todo ato e todo propósito parecem ter em mira um bem; por isso definem o bem como aquilo a que todos aspiram”, diz na sua Ética a Nicômaco, e acrescenta: “De todos os bens, a felicidade é o supremo. ” A consolidação de hábitos e disposição do caráter devem ter por objetivo o bem comum, o que implica ir além da simples satisfação de impulsos e desejos auto-referendados. Essa prática sobre assuntos públicos teve lugar na Ágora da polis grega, no conviver democrático, no exercício popular de legitimar o diferente. E é lá, na praça e no mercado, que a disposição interna para o bem adquire seu ideal vivente na figura do sábio ― único digno de admiração e imitação. A educação, então, será o instrumento por excelência para atingir esse modelo de ação prudente, justa e bela.1
A educação tem essa potencial função social, seja ela formal ou não, de estimular o melhor da nossa humanidade.
O caminho para a cultura de paz é o diálogo e um valoroso instrumento nesse sentido entrou em vigor em 2015: a lei de Mediação. A lei 13.140, de 26 de Junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública disciplina que “considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (parágrafo único, do art. 1º).
lei 13.105, de 16 de março de 2015, por sua vez, que instituiu o Novo Código de Processo Civil prevê no art. 3º que:
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
A mediação é uma tecnologia social que permite a humanização do conflito ao possibilitar um fluxo contínuo de comunicação no qual as pessoas envolvidas são cocriadoras do processo e do resultado, é a expressão máxima de sua autodeterminação. Nesse caminho, os mediando(a)s são acompanhados pelo(a) mediador(a), que se dedica a uma profunda conexão com as partes para que por meio de suas técnicas haja constante promoção do diálogos e elas sigam na direção que desejarem. A perspectiva desse profissional é ajudar na qualidade da interação entre as pessoas para cocriarem o futuro desejado.
Assim, o(a) mediador(a) está em permanente conexão, com escuta plena, seguindo proativamente o(a)s mediando(a)s e ofertando um novo paradigma: a transformação da interação pelo diálogo, respeitando como e onde estão e para onde irão.
Todos esses atos normativos mencionados têm como base a promoção de práticas não-violentas, com uma perspectiva interdisciplinar de atuação e apontam direcionamentos para o desenvolvimento de novas competências e habilidades para a gestão dos conflitos. Conclui-se, portanto, que o cenário atual exige das escolas e dos profissionais que atuam no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente2 a aproximação com as temáticas de Direitos Humanos e com práticas consensuais de solução de controvérsias.
As escolas, portanto, são espaços fecundos para a vivência de práticas educativas que permitam esse encontro com o outro e semeiem princípios basilares para a construção de um ambiente transformador. É potencializar a criatividade para lidar com os conflitos de forma mais humanizada, para propor convivências mais significativas para os envolvidos, que conectem os seres humanos ao que de melhor têm para oferecer. É entender o conflito como condição de crescimento, na perspectiva proposta por Fayga Ostrower, para quem
[...] criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós mesmo e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos.3
Tendo como premissa que “o diálogo é outro modo de abertura à alteridade”4, além dos diversos questionamentos sobre quais práticas pedagógicas são as mais adequadas às necessidades de uma sociedade democrática e solidária, a própria forma de administrar os conflitos e o Direito também passam por uma ressignificação. E quais são os espaços existentes nas escolas para o diálogo?
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1 Diskin, Lia. Ética, Cultura de Paz – um desafio inadiável. Disponível em: http://www.palasathena.org.br/arquivos/conteudos/Etica_Cultura_de_Paz_LiaDiskin.pdf. Acesso em: 20 de dezembro de 2016.
2 O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme disciplina o art. 1º da Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006, é constituído pela a articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
3 OSTROWER, Fayga. Criatividade e processo de criação. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 28.
4 HERMANN, Nadja. Ética & educação: outra sensibilidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014, p. 144.
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*Cristina Lobato é mediadora de conflitos com formação pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pelo centro de formação e pesquisa em justiça comunitária do TJDFT e pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação.

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