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domingo, 9 de abril de 2017

De Filho para Pai/Mãe - Por Lucélia Braghini, psicodramatista do SOS Ação Mulher e Família, para Wall Street International

Uma lição de desenvolvimento

Ao longo de sua trajetória diurna infinita, o sol já testemunhou milhares de nascimentos e mortes

9 ABR 2017 por LUCÉLIA BRAGHINI

Nada mais dinâmico do que o relacionamento entre pais e filhos para aprender sobre a vida.

Seguindo a linha do desenvolvimento saudável ao longo da trajetória do ciclo vital, na infância nossos pais são nossos heróis. Diante de seu olhar fascinado, a criança os vê “grandes”, física e psicologicamente falando.

Poderosos, trata-se daqueles que são capazes não só de matar a sua fome com o leite de que tanto necessita, mas de prover todas as suas necessidades: vestuário, diversão/brinquedos, segurança, proteção e amor.

Sobretudo, aqueles que são responsáveis e se importam e/ou se preocupam com ela. Sua referência afetiva no mundo. Assim, idealizados, os pais são aos olhos da criança personagens fortes, poderosos e indestrutíveis. Ela os ama e também quer ser amada por eles. Em uma relação saudável, o vínculo entre pais e filhos costuma ser muito estreito, principalmente com a mãe.

Esta situação nirvânica parece durar para sempre aos olhos da criança, principalmente se os pais são de fato capazes de proporcionar para seu rebento um ambiente acolhedor e favorável ao seu desenvolvimento. Quando vai “dormir com os anjos”, ela pensa no presente que vai pedir ao Papai Noel e tem a certeza que tudo terminará bem.

Já na adolescência, o mundo parece ter novos contornos, novas cores, novas luzes. Junto com as mudanças que se operam em seu corpo, o ser em desenvolvimento sente que é imperioso se autoafirmar, ser “dono do próprio nariz”, declarar-se ao mundo como “gente grande”. Diante disso, os pais se tornam subitamente seus “perseguidores”, pois são sentidos pelo adolescente como aqueles que estão ali para impedir seu crescimento e sua autonomia.

A simples existência de alguém que tenha poder e autoridade sobre ele é sentida como ameaçadora e vem na contramão de seu desejo de autonomia e independência. Além disso, se os pais são de fato autoritários, isto maximiza seu sentimento de tê-los como perseguidores e agora, aquele objeto antes tão amado e idealizado, passa a ser também odiado.

Em geral, os pais são sentidos como os maiores “culpados” e os responsáveis por todas as suas frustrações e infelicidades. Curiosamente, o adolescente vive uma situação paradoxal, onde ele se declara “emancipado”, mas depende dos pais para pagar suas contas. Aos pais é essencial ter flexibilidade e “jogo de cintura” para que possam lidar com sabedoria e maturidade com os conflitos que seu filho está enfrentando e que são naturais do processo de adolescer.

Lembrando ainda que o momento de “bater asas do ninho” costuma ser muito delicado, pois é quando emergem os maiores conflitos. Os pais (talvez mais a mãe) desejam a todo custo evitar a “síndrome do ninho vazio”. Enquanto ataca os pais, o jovem, justificando que se sente oprimido e não reconhecido em sua individualidade, não percebe o quanto ele ainda teme deixar a segurança e o conforto do ninho.

Tendo já conquistado o seu lugar no mundo, o jovem adulto agora se sente mais seguro e pode olhar para seus pais de outra maneira. Nas antigas escaramuças com os pais deixou de perceber detalhes importantes. Agora à distância e sentindo-se menos ameaçado em sua individualidade, esses detalhes se tornam mais perceptíveis.

Nota que os pais já não são mais os mesmos da infância que ficou para trás. Sua mãe está ficando com os cabelos prateados, ela já não parece mais tão bela quanto antes e seu pai parece mais devagar nas coisas que faz. A mãe parece ter adquirido o hábito de se queixar (“Ou ela já era assim antes e eu não havia percebido?”, pergunta-se o jovem).

O adulto jovem constitui nova família e dá aos pais a alegria do presente de perpetuar sua linhagem em uma terceira geração. Contudo, apesar de suas realizações e conquistas, pois tudo parece caminhar bem, algo ressoa fortemente dentro de si; ele passa a sentir agora uma estranha saudade de seus pais e já se esqueceu de suas antigas diferenças.

Ao perceber em si os primeiros fios de cabelos brancos e que sua energia não é mais a mesma de alguns anos atrás, nota que alguma coisa está mudando irremediavelmente. Por outro lado, observa que a saúde de seus pais também já não é mais a mesma. Assim, sempre que pode, procura estar com eles, pois já se deu conta que não os terá para sempre. Agora que teve seus próprios filhos, consegue entender seus pais melhor do que nunca. Ao exercer a paternidade, reconhece que, na tentativa de acertar, eles acabaram por cometer erros, mas que isto não desqualifica o que tentaram fazer por si. Não há maior aprendizado na vida do que ocupar o lugar do outro.

Mas o tempo é implacável e segue seu curso.

Os pais agora se tornaram frágeis e debilitados. Nosso adulto, que a essa altura já atingiu a meia-idade, entende que a velhice é a antessala da morte, até porque ela traz consigo o advento de doenças incuráveis.

Nossa antiga criança se depara agora com a parte mais espinhosa desta etapa do seu desenvolvimento, aquela em que nos tornamos “pais” de nossos pais. Isto porque aqueles, no ápice de sua fragilidade, voltam a ser crianças e não são mais capazes de gerir a sua própria segurança e proteção, tornando-se assim dependentes dos filhos.

A empreitada de tentar proporcionar conforto, segurança, proteção e melhor qualidade de vida a um ser que nos é dependente e mesmo assim, a despeito de nossos esforços, vê-lo a definhar dia após dia, talvez seja a mais difícil lição de vida a que somos submetidos. Além de se deparar com a própria fragilidade refletida no outro, é um teste absurdo de tolerância à frustração.

Com a criança, nossas sementes facilmente germinam e rapidamente podemos nos regozijar com a beleza das flores, mas com aquele que está a declinar na curva da vida, nossas sementes parecem ter sido jogadas em pleno deserto estéril ou no mais profundo buraco negro. A “beleza das flores” é tão sutil neste caso, que não conseguimos captar.

Para nosso próprio desenvolvimento é essencial que possamos entender onde está a beleza das flores. Lapidação do espírito? Aprender a doar-se sem esperar nada em troca? (Uma lição para o ego, portanto.) Ou simplesmente aceitar que este é o curso natural da vida - nascer, viver e morrer - e que tudo o que importa ou o que fica é o que podemos fazer pelo outro?

Talvez a questão mais premente e imperiosa para muitos seria o que fazer com a angústia diante da involução.

Em face disto, eu sugeriria ao leitor que contemplasse o nascer do sol todas as manhãs e se deixasse banhar pelo poder de seus raios miraculosos. Certamente, ao longo de sua trajetória diurna infinita, ele já testemunhou milhares de nascimentos e mortes, mas magnífico e inabalável continua exatamente o mesmo, trazendo luz e vida para todos. Vamos deixar que o sol exerça a ação terapêutica necessária.

Nos ritmos da natureza, certamente vamos encontrar todas as respostas de que precisamos.

Lucélia Braghini
Psicóloga psicodramatista, atua no SOS Ação Mulher e Família desde o ano de 1984. Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Autora do livro “Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e Thanatos”. Perfil completo

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