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domingo, 9 de abril de 2017

Por que os homens pagam por sexo?

Entrevistamos 191 clientes de prostitutas para descobrir como, apesar de proibições e travas morais, a demanda por serviços sexuais sempre é alta

publicado 20/03/2017 por NANA QUEIROZ

*Esta é uma das investigações patrocinadas pelo Programa de Bolsas de Reportagem da Revista AzMina que você ajudou a tornar realidade. Leia a série completa aqui.

A humanidade já pensou em tantas maneiras de coibir a prostituição – da tortura à cadeia, passando pela pregação e o código moral – que cabe a pergunta: por que será que a demanda se mantém sempre tão alta e, principalmente, a demanda masculina? O que os homens buscam quando contratam uma prostituta? Afinal, analisar a prostituição sem entender os que a mantém funcionando é olhar somente metade da questão.
Para descobrir a resposta a essa questão, AzMina entrevistou, através de um questionário aberto respondido pela internet, 191 clientes de prostitutas. Dos respondentes, 95,8% eram homens e o restante, mulheres de diversas orientações sexuais. O perfil parece uma amostra condizente com levantamentos internacionais que citam os homens como mais de 90% da clientela de profissionais do sexo. Classes sociais e frequência de uso do serviço eram diversos.

Todos e todas foram convidados a responder à seguinte pergunta: “Por que você buscou sexo com uma prostituta?”. As respostas eram abertas e os entrevistados podiam oferecer mais de uma razão. Os resultados foram organizados em torno de temas centrais.

A motivação vencedora? Praticidade e falta de compromisso! Ela foi citada por 81 dos entrevistados. Em seguida apareciam “fetiche, curiosidade ou quebra de tabu” (50), “insegurança, carência ou solidão” (42), “pressão do grupo” (21), “perda de virgindade” (14), “variedade de parceiras e desejo por uma prostituta específica” (11), “busca de um talento específico das profissionais do sexo e confiança no sigilo” (10), e, finalmente, quatro não sabiam ou não quiseram responder.

Entre as respostas, chama muito a atenção as que se referem à perda de virgindade e pressão do grupo. Muitos entrevistados alegam terem sido coagidos e não terem gostado da experiência. “Fui obrigado pelos ‘amigos’ mais velhos por ter chegado aos 15 anos e não ter perdido a virgindade”, “Tinha 15 anos e fui obrigado pelo meu pai. Não foi uma experiência boa” ou “Me sentia pressionado por todos os meus ‘amigos’ por ser o único virgem do grupo.”

Algo parecido aconteceu com Davi*. Aos 14 anos, um amigo mais velho levou ele e colegas da mesma idade para transar pela primeira vez em um puteiro de São Paulo. Davi queria que os colegas o vissem como corajoso. Quando subiu para o quarto com a prostituta, estava tão nervoso e desconfortável que nem sequer conseguiu ficar excitado. A experiência alimentou nele, por anos, uma espécie de temor de falhar com as mulheres. E ele acabou protelando seu início na vida sexual para bem mais tarde que a média de homens de sua geração.

“Nesses casos, existe uma vitimização da masculinidade”, opina a PhD americana Melissa Farley, Diretora do Centro de Pesquisa e Educação sobre Prostituição dos Estados Unidos.

Para ela, tanto a prostituta em situação de penúria que se vê obrigada a atender menores de idade (ou crianças) para sobreviver quanto o menino sofrem uma violência. “Nós precisamos mudar nosso conceito de masculinidade”, conclui.

Empatia e tráfico sexual

A entrevista acontecia no Soho, um bairro londrino. Melissa Farley entrevistava um homem jovem que alegava só ter pagado por serviços sexuais uma única vez.

– Por que só uma? Por que nunca mais procurou uma prostituta?

Os olhos dele marejaram. Revirou-se com a resposta, incômodo. Por fim, soltou:

– Porque quando olhei nos olhos dela, vi o mesmo olhar que eu tive enquanto garoto… quando um padre abusou sexualmente de mim.

A entrevistadora deixou de lado a imparcialidade de acadêmica. E chorou junto com ele. Naquele momento, ela se convenceu de que a empatia era a chave para entender porque os homens pagam por sexo – principalmente em contextos em que não têm certeza de que as envolvidas estão neste ramo de maneira voluntária, como em Soho, onde imigrantes do leste europeu são muitas vezes enganadas e se tornam escravas sexuais.

No final do ano passado, Melissa publicou os resultados de um estudo que realizou com 202 homens, dois grupos de idade, escolaridade e classe social semelhantes. A única diferença entre eles era: um continha aqueles que pagavam por sexo; o outro, os que nunca o haviam feito.

“O que descobrimos, principalmente, é que homens que compram sexo têm menos capacidade de empatia e são mais propensos a comportamentos agressivos”, conta ela. Isso foi medido com a seguinte questão: “Se você tivesse certeza de que não seria descoberto ou punido, estupraria uma mulher?”. Entre os que nunca foram clientes, somente 2% admitiram que sim. Entre os que são clientes, 15%.

Apesar disso, a pesquisa mostrou que homens dos dois grupos eram machistas: ambos afirmaram acreditar em uma ideologia de culpabilização das vítimas de estupro, concordando com afirmações do tipo “mulheres que se vestem de maneira provocativa estão ‘pedindo’ para serem estupradas”.

Outras pesquisadoras, no entanto, contestam os resultados do estudo de Farley e afirmam que ele tem limitações. “Nunca vi nenhum indicativo de que clientes de prostitutas sejam mais violentos”, afirma Nadia van der Linde, coordenadora do Fundo Red Umbrella, o primeiro fundo internacional para ajudar organizações de trabalhoras do sexo, que tem sede em Amsterdã, na Holanda, onde a prostituição é regulamentada. Segundo ela, como a criminalização ou condenação moral são a regra na maior parte do mundo, este tipo de estudo tem um certo viés.

“O que ocorre é que em locais em que a prostituição (ou atividades em torno dela) são criminalizadas ou coibidas, você realmente vai encontrar pessoas que respeitam menos as leis e a moral dominante buscando esses serviços.”

Nadia afirma que os resultados da enquete organizada pela Revista AzMina são muito coerentes com o que percebeu em seus anos de pesquisa no Distrito da Luz Vermelha de Amsterdã, na Holanda. “Sem dúvida, existe muito machismo no mundo, mas isso não necessariamente está mais atrelado à prostituição do que às relações não mediadas pelo dinheiro. Há muitas pessoas cujos desejos não são considerados ‘aceitáveis’ pela maioria das pessoas – como bondage, sadomasoquismo ou submissão consensuais – e profissionais do sexo ajudam essas pessoas a ficarem mais confortáveis com sua sexualidade. Pessoas são diferentes e os seus desejos também.”

Desejos considerados “inadequados” ou “constrangedores” são bastante citados entre os brasileiros e brasileiras da pesquisa d’AzMina. É a segunda causa mais alegada para buscar a prostituição. Entre os fetiches especificados, os mais comuns são o próprio sexo pago e o ménage – e prostitutas entrevistadas incluem o sexo anal também entre as mais pedidas.

No mundo das travestis, a questão é ainda mais crucial. Homens que se interessam por elas estão em uma linha de orientação sexual ainda incompreendida pela maioria das pessoas, entre a heterossexualidade e homossexualidade, atraídos por mulheres que se orgulham de ter pênis. O meio que muitos encontram de viver essas fantasias é através da prostituição.

“O homem que vem atrás de travesti se vê como hétero e, em geral, quer uma de duas coisas: chupar a gente ou ser ‘comido’ por uma figura feminina”, revela Luisa Marilac, travesti que foi prostituta no Brasil e na Europa por cerca de uma década.

O homem opressor, o homem carente, o homem humano

Santiago* não é um desses homens que cutuca olhares por onde passa, mas tinha uma articulação inteligente e, enquanto falava, brincava charmoso com o cigarro entre os dedos. Não, ele não devia ser o tipo de cara que não consegue convencer mulheres a irem pra cama com ele – pensei nisso durante a entrevista.  Mesmo assim, tinha o hábito de pagar por sexo duas vezes por mês, durante cinco anos.

“Pra mim, a prostituição foi um caminho para exercitar o sexo sem ligação emocional forte. Sem barreira, sem culpa, sem toda a carga emocional – boa e ruim – que vem com o sexo. E eu não queria transar com a mesma mulher, queria variedade”, confessa. “Hoje eu me arrependo.”

No caminho, saiu com prostitutas universitárias e empoderadas, mas também com moças fragilizadas, simples, pobres. A grande mudança se deu para Santiago no dia em que chegou a um bordel soturno em que não tinha certeza se as mulheres estavam realmente ali voluntariamente. Não conseguiu transar com nenhuma delas e nunca mais voltou a pagar por sexo.

“Não sou contra a prostituição em si, mas acho que estamos muito longe de alcançar as condições para que isso seja feito de forma digna. Até lá, não seria mais cliente”, diz, hoje.

“Mas foi quando abri os olhos para os abusos do mundo da prostituição que comecei a analisar de forma crítica como tratava mulheres nos meus relacionamentos pessoais.”

Para Marilac, há também um outro fator em jogo que nunca é citado pelos clientes em pesquisas como a d’AzMina: o poder.

“Os homens pagam por sexo pra se sentirem mais dominantes. Como ele está pagando, a mulher tem que fazer o que ele quiser, ele que manda, ele é o superior. É aquela coisa de caça.”

Já Thiago* se vê no outro lado do espectro de clientes. Com uma deficiência física de nascença, ele era um rapaz extremamente inseguro, carente e sequer conseguia se aproximar de mulheres. Ele será para sempre grato às prostitutas que o iniciaram sexualmente e o ajudaram a superar essas barreiras. Hoje, Thiago tem um relacionamento amoroso e sexual saudável e estável.

“Eu cheguei tremendo na base”, ele recorda, rindo. “Lembro-me do nome da primeira mulher com quem transei, ela atendia como Sofia e era bem bonita. Eu queria um estilo ‘namoradinha’, ela foi bem natural, passo a passo. Fingia bem ser namorada, era carinhosa, se preocupava comigo e me senti muito à vontade com ela.”

Dos 174 homens ouvidos para esta reportagem, alguns eram Davis, outros Thiagos, outros, Santiagos. Outros ainda homens que diziam coisas degradantes sobre as mulheres, como “minha esposa é fraca de cama” ou que mulheres não prostitutas têm muitas “frescuras”. Mas parece impossível cravar um perfil único.

Entre os relatos mais surpreendentes está ainda o de um homem que gostava de conversar com prostitutas para saber o que outros homens gostavam de fazer na cama. Como homens são menos abertos a falar de sexo entre si sem ser um jeito de contar vantagem, essa era a única maneira que ele encontrava de acessar os segredos da sexualidade masculina. A prostituição era, para ele, um caminho para acessar a própria masculinidade.


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