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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Aplicabilidade das Escusas Absolutórias nos Crimes Patrimoniais contra a mulher no ambiente doméstico e familiar: Posição favorável

Carta Forense
01/11/2017 por Rogério Sanches Cunha
O art. 181 do Código Penal, visando assegurar a harmonia familiar, prevê duas causas pessoais de isenção de pena para os autores de fatos previstos como crimes contra o patrimônio. São elas:
a) quando a vítima é cônjuge do agente (crime ocorrido na constância da sociedade conjugal);
b) quando a vítima é ascendente ou descendente do agente, sendo irrelevante a natureza do parentesco.

Já o art. 182 possui o mesmo propósito do anterior, mas disciplina hipóteses diversas, condicionando a instauração da ação penal ao prévio pedido-autorização da vítima (imunidade relativa). Três são as hipóteses em que aquele que comete crime patrimonial é beneficiado pela existência de condição de procedibilidade:
a) quando a vítima é seu cônjuge, mas divorciado ou separado judicialmente;
b) quando é seu irmão, bilateral ou não;
c) quando é seu tio ou sobrinho, devendo haver coabitação.
O art. 183, por sua vez, traz vedações, não permitindo a incidência das escusas, nem do art. 181, nem do 182:
I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;
II – ao estranho que participa do crime;
III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Com o advento da Lei 11.340/2006 (que define violência doméstica e familiar contra a mulher), encontramos doutrina no sentido de que os crimes patrimoniais cometidos contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, mesmo que sem violência real, também não permitem a incidência das imunidades dos arts. 181 e 182 do CP. Isso porque o art. 7o., IV, da referida Lei, estabeleceu como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a violência patrimonial, descrevendo‑a como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.
 Adotando essa tese, temos a respeitável lição de Maria Berenice Dias:
“A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também a violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas e relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra sua cônjuge ou companheira, ou, ainda, alguma parente do sexo feminino. Aliás, o Estatuto do Idoso, além de dispensar a representação, expressamente prevê a não aplicação desta excludente da criminalidade quando a vítima tiver mais de 60 anos.”[1].
Ousamos discordar. A uma, deve ser alertado que o Estatuto do Idoso, para impedir as escusas quando a vítima é pessoa idosa, foi expresso[2] (diferente da Lei Maria da Penha, que nada dispôs nesse sentido, nem implicitamente); a duas, não permitir a imunidade para o marido que furta a mulher, mas permiti-la quando a mulher furta o marido, é ferir, de morte, o princípio constitucional da isonomia (aliás, a Lei 11.340/2006 deve garantir à mulher vítima de violência doméstica e familiar especial proteção, e não simplesmente à mulher, mesmo quando autora!). Nesse mesmo sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (RHC 42.918 – RS, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 05/8/14):
“1. O artigo 181, inciso I, do Código Penal estabelece imunidade penal absoluta ao cônjuge que pratica crime patrimonial na constância do casamento.
(...)
3. O advento da Lei 11.340/2006 não é capaz de alterar tal entendimento, pois embora tenha previsto a violência patrimonial como uma das que pode ser cometida no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, não revogou quer expressa, quer tacitamente, o artigo 181 do Código Penal.
4. A se admitir que a Lei Maria da Penha derrogou a referida imunidade, se estaria diante de flagrante hipótese de violação ao princípio da isonomia, já que os crimes patrimoniais praticados pelo marido contra a mulher no âmbito doméstico e familiar poderiam ser processados e julgados, ao passo que a mulher que venha cometer o mesmo tipo de delito contra o marido estaria isenta de pena.
5. Não há falar em ineficácia ou inutilidade da Lei 11.340/2006 ante a persistência da imunidade prevista no artigo 181, inciso I, do Código Penal quando se tratar de violência praticada contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, uma vez que na própria legislação vigente existe a previsão de medidas cautelares específicas para a proteção do patrimônio da ofendida.
6. No direito penal não se admite a analogia em prejuízo do réu, razão pela qual a separação de corpos ou mesmo a separação de fato, que não extinguem a sociedade conjugal, não podem ser equiparadas à separação judicial ou o divórcio, que põem fim ao vínculo matrimonial, para fins de afastamento da imunidade disposta no inciso I do artigo 181 do Estatuto Repressivo”.
Posto isso, caso superada a barreira do necessário respeito à isonomia, a vedação das escusas dos arts. 181 e 182 do Código Penal para crimes contra o patrimônio da mulher no ambiente doméstico e familiar pressupõe o devido processo legislativo (lei), evitando teses que fomentam a analogia “in malam partem”.


[1].        A Lei Maria da Pena na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, p. 52

[2].        Reza o art. 95 do Estatuto: “Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal”.

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