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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Aplicabilidade das Escusas Absolutórias nos Crimes Patrimoniais contra a mulher no ambiente doméstico e familiar: Posição Contrária

Os artigos 181 e 182 foram derrogados pela Lei Maria da Penha para a hipótese de violência de gênero: para essas infrações penais no âmbito afetivo, doméstico e familiar contra mulheres não há isenção de pena, nem se exige representação.                              
                                    Há muito tempo a casa deixou de ser um local de paz e harmonia para as mulheres, meninas e senhoras idosas. É lá que acontecem as violências mais graves em 43% dos casos, praticadas por conhecidos (61%), em regra companheiros e ex-companheiros (35%), em um país em que 29% das mulheres sofrem algum tipo de violência (Fórum de Segurança Pública. Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no  Brasil, 2017).
                                    Um terço das mulheres “casadas” ingressaram na relação como crianças ou adolescentes, o que as torna especialmente vulneráveis a toda sorte de violência.
                                    No mundo, ocorrem 15 milhões de casamentos infantis/adolescentes por ano, 28 por minuto e 01 casamento a cada 02 segundos.

                                    Mas essa realidade não está distante de nossas terras: o Brasil ocupa o 4º lugar no mundo e 1º na América Latina em índices de casamentos infantis ou adolescentes: 36% das meninas mantêm relação de casamento/união estável com menos de 18 anos (Banco Mundial. Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência”, 2017).
                                    De forma aproximada: para 10 casamentos, em 4 as “mulheres” são – na verdade – meninas que se afastam da família, abandonam os estudos e assumem  papéis e responsabilidades de adultos.
                                    Como afirma Paula Tavares, autora da pesquisa mencionada: “as meninas que se casam antes dos 18 anos têm mais chances de se tornarem vítimas de violência doméstica e estupro marital” (http://www.onumulheres.org.br/noticias/banco-mundial-lanca-relatorio-sobre-casamento-infantil/).
                                    Além do distanciamento da família, as jovens abandonam os estudos para assumir as atividades relacionadas à casa, marido e filhos.
                                    As principais causas de abandono escolar de jovens de 15 a 29 anos são a gravidez (18%) e as questões familiares (23%), cuidados com a casa e parentes. Evidente que se trata de uma violência de gênero, pois apenas 1.3% dos homens abandonam os estudos em razão de gravidez da parceira e 16% por questões familiares (Levantamento do Ministério da Educação, OEI e Faculdade Latino Americana de Ciências).
                                    Na violência familiar, o ataque patrimonial pode atingir contornos diversos conforme a idade ou tipo de relacionamento. As mulheres idosas normalmente sofrem crimes patrimoniais praticados por filhos ou parentes que assumem suas finanças. Em relação a elas, o legislador já excluiu a possibilidade de aplicação dos artigos 181 e 182 (art. 183, III, Código Penal).
                                    As jovens crianças ou mulheres sofrem outro tipo de violência patrimonial, pois em regra o ataque está voltado à submissão da mulher. Homens violentos mantém as meninas e mulheres atadas ao relacionamento ou à família, pois  controlam as finanças da casa e por vezes o dinheiro pessoal da parceira.
                                    Há ainda os casos em que a violência tem por finalidade “derrubar” a autoestima e confiança da mulher. Neste caso, o agressor atinge bens ou objetos significativos: instrumentos de trabalho, livros da escola ou faculdade e objetos de valor pessoal, que permitiriam à mulher resgatar suas origens (como álbuns de família) ou independência afetiva – além da econômica.
                                    Esses motivos demonstram a razão pela qual existe um olhar diferenciado para o crime de gênero: a violência patrimonial no contexto da Lei Maria da Penha é frequentemente uma forma de dominação que mantém a mulher aprisionada ao agente.
                                    O Código Penal trata de duas imunidades quanto aos crimes patrimoniais: uma absoluta e uma relativa.
                                    A imunidade absoluta corresponde à isenção de pena para os crimes patrimoniais cometidos contra o cônjuge, na constância da sociedade conjugal, de ascendente ou descendente (art. 181). Outrossim, a imunidade relativa -  necessidade de representação  - está prevista para o crime cometido em prejuízo de cônjuge “desquitado” (divorciado) ou judicialmente separado (art. 182, I, do Código Penal).
                                    Por expressa disposição legal os dispositivos não têm aplicação no caso de violência. Prevê o artigo 183, I, do Código Penal:
   Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:
I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; (grifo nosso)

                                    A referência à violência no 183, I, Código Penal não tem sido interpretada corretamente nas hipóteses da Lei Maria da Penha.
                                    Inicialmente, importante mencionar que o legislador não se referiu à violência como “ataque físico”, mas sim, ao contexto de violência. Se assim não fosse, a parte final do dispositivo seria inútil ante a referência prévia ao roubo e extorsão – justamente os dois crimes violentos previstos no título dos crimes patrimoniais.
                                    A Lei Maria da Penha 66 anos mais atual que o  Código Penal, trouxe um novo conceito legal para o termo “violência patrimonial” no artigo 7º, IV.
                                    Nos termos da referida lei:
Art. 7º, IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
                                    Trata-se de lei nova, que trouxe uma interpretação autêntica – e portanto obrigatória - para o conceito de violência quando se tratar de conduta baseada em gênero, ocorrida nos âmbitos doméstico, familiar ou afetivo (art. 5º da lei).
                                    De nada adiantará existir a Lei Maria da Penha se as mulheres não tiverem a chance do recomeço para elas e seus filhos.
                                    As mesmas amarras que mantém as mulheres presas aos algozes mantém os juristas atados a conceitos e olhares ultrapassados. Recusam-se a ver o novo como novo, ainda que a lei seja expressa. Afinal, de que adianta uma lei protetiva se não passar de uma mera ficção? Mudar significa efetivamente saber mudar, o que não se aplica não só às mulheres, mas também àqueles que têm por obrigação evoluir juntamente com as leis e sociedade: nós, interpretes e aplicadores da lei!           

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