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sábado, 11 de novembro de 2017

Entrevista Silvia Pimentel: Direito, discriminação e a importância do debate sobre gênero na atualidade


Em entrevista à Agência Patrícia Galvão, a professora e pesquisadora Silvia Pimentel destaca a importância do debate sobre gênero nas universidades – e na educação de um modo geral –, que para ela é ainda mais fundamental neste momento em que se multiplicam ações de grupos fundamentalistas em busca de retrocessos no campo dos direitos das mulheres.
Com longa trajetória associada à luta pela efetivação de direitos no Brasil e no mundo, Silvia Pimentel teve atuação decisiva para importantes conquistas neste campo em diferentes níveis. Além de professora de Filosofia do Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cumpriu dois mandatos (2011 e 2012) como presidente do Comitê CEDAW e realizou importantes trabalhos como integrante do Comitê de expertas que acompanha o cumprimento da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, na silgla em inglês).
Silvia Pimentel foi, por exemplo, a coordenadora dos trabalhos que resultaram na Recomendação Geral 33 do Comitê, que realiza uma análise minuciosa sobre o significado de acesso à justiça para as mulheres e reúne os principais obstáculos a serem superados para garantir os direitos de mulheres e meninas, além de apontar caminhos nesse sentido (saiba mais).
Como professora na PUC-SP, Silvia foi uma figura decisiva para consolidar o campo de Direito e Gênero na universidade, onde coordena o Grupo de Pesquisa Direito, Discriminação de Gênero e Igualdade – que nesta quinta-feira (9) lança uma publicação reunindo artigos sobre o tema (veja convite a seguir).
Para a especialista, as resistências e distorções que o debate de gênero vem enfrentando são prova justamente da necessidade de aprofundarmos o conhecimento coletivo sobre o tema.
Confira a entrevista:
Qual é a importância de debater as questões de gênero no Direito e nas universidades, como vocês vêm fazendo na PUC-SP?
É realmente muito grande a relevância de termos tido condições e possibilidades de inserir o tema de gênero e dos direitos das mulheres na nossa Faculdade de Direito. As resistências que o tema está enfrentando hoje em dia são justamente a maior prova da importância de levantarmos esse debate em uma universidade e, no nosso caso, em uma faculdade que tem uma historia de vanguarda e que é muitas vezes modelo para muitas pessoas.
Então, avalio que é muito importante termos colocado esse tema e é muito importante também  a acolhida que a faculdade, a universidade – em especial por meio  da pessoa da reitora – está dando para os nossos esforços.
A PUC é uma universidade católica que tem uma história associada à luta por democracia, como você comentou. Isso significa que a pluralidade é importante no ambiente de ensino e que os diferentes debates podem andar juntos?
É notável isso. Não vou entrar em detalhes, mas há um mês ou dois houve uma manifestação de grupos fundamentalistas junto à direção da nossa universidade, afirmando-se contrários a ela estar abrindo as portas a este tema, e foi muito interessante a resposta que foi dada pela PUC, no caminho de dizer que a universidade é plural e aberta ao debate, independentemente deste ou daquele tema.
A universidade tem representado uma vanguarda em momentos históricos, como durante a ditadura, e durante todos estes anos têm manifestado um respeito grande pelas lutas que nós, feministas, fazemos de forma muito aberta em todos os temas no campo dos direitos das mulheres, inclusive nos direitos reprodutivos, que costumam enfrentar mais resistência.
De um modo geral, é importante mantermos uma posição critica em relação a tudo o que está acontecendo, a essa vontade de regredir nos direitos que nós, mulheres, conquistamos. Como todos sabem, há projetos de lei nesse sentido, tentando interferir, por exemplo, na Lei Maria da Penha, de enfrentamento à violência doméstica e familiar, querendo desprestigiá-la, diminuir o seu valor.  Também nos direitos sexuais e reprodutivos percebemos um movimento para retroceder naquilo que nós, por décadas, reivindicamos. Por isso é tão importante essa abertura ao debate plural e ao acolhimento dos nossos esforços.
Sobre as forças em direção a retrocessos, há uma tentativa maciça de cercear o debate de gênero dentro da educação a partir de distorções que ficaram associadas ao que chamam de ‘ideologia de gênero’. Como você vê esse cenário?
É realmente lamentável, eu inclusive – um pouco antes de elaborar o verbete sobre gênero e Direito, a pedido da Faculdade de Direito, para ser incorporado na enciclopédia digital gratuita [saiba mais no box abaixo] – li um livro publicado sobre ‘ideologia de gênero’  no começo deste ano e fiquei muito perplexa. É uma obra assinada por ‘grandes nomes’ (intelectualmente falando) do mundo jurídico e que chega a afirmar que o tema de gênero é diabólico. Isso é um ponto para registrar, está dizendo que é coisa do demônio.
No século 21, em que nós respeitamos tanto termos alcançado, pelo menos formalmente, um Estado laico, não faz sentido dizer que um tema da relevância para tantas pessoas, principalmente para uma minoria que não é pequena, é uma ‘coisa do diabo’ e outras afirmações desse tipo. Trata-se de desqualificar uma discussão tão importante e essencial para trabalhar a problemática na perspectiva de gênero.
Já a partir da ‘Segunda Onda Feminista’, destaca-se a frase de Simone de Beauvoir, na sua clássica e notável obra O Segundo Sexo, que diz “não se nasce mulher, torna-se mulher”. As pessoas precisam entender que esta frase é uma informação que nos ajuda muito a compreender a importância de trabalhar com os direitos das mulheres, com o enfrentamento às violências de gênero – e não só porque ela eventualmente nasceu no sexo feminino, mas porque é do gênero feminino e porque construiu-se todo um conjunto de papéis com base em uma ordem patriarcal que a coloca em um papel de subordinação, de subalternidade – e ainda, em pleno século 21.
Qual é a importância de lançar a coletânea neste momento?
É muito grande, porque acontece exatamente no momento em que as vozes dos adversários dessa agenda estão se fazendo mais presentes, e infelizmente não só as vozes – porque às vozes nós podemos contrapor outras vozes e argumentos – mas os grupos se fazem presentes também com políticas por baixo do pano, que estão ocorrendo no Congresso Nacional e que buscam prejudicar nossos avanços. Então, é muito importante debater esse tema na universidade e é exemplar que a universidade acolha esse debate.

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