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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Não são atos isolados. Violação de mulheres rohingya pelo exército do Myanmar é “generalizada e metódica”

ANA FRANÇA

11.12.2017

Uma investigação da Associated Press revela que as violações sofridas pelas mulheres rohingya às mãos dos soldados do exército de Myanmar deixaram de ser crimes esporádicos para se tornaram uma arma de guerra. A agência de notícias encontrou provas que detalham um comportamento generalizado, autorizado e metódico por parte dos militares – e as vítimas não têm forma de se defender

Vinte e nove mulheres. Cada uma delas violada dezenas de vezes.

Não são fáceis de ler as histórias delas. A agência de notícias Associated Press entrevistou vinte e nove mulheres e adolescentes rohingya, uma minoria muçulmana perseguida em Myanmar (ex-Birmânia), e descobriu que os atos de violação, que várias organizações não-governamentais (ONGs) já tinham denunciado, se tornou comum, repetitivo, organizado, encorajado e metódico. Uma rotina.

As mulheres entrevistadas têm entre 13 e 35 anos e são refugiadas no Bangladesh, onde os jornalistas da AP as entrevistaram. Os detalhes das descrições mostram um pouco do terror que os habitantes do estado de Rakhine, onde a maioria dos rohingya se concentra, têm vindo a suportar desde que o exército iniciou aquilo que a ONU já considera um conflito com "elementos de genocídio".

A primeira história que a jornalista Kristen Gelineau conta é a de uma mulher recém-casada, apenas identificada como "F", que vê o seu marido ser baleado e degolado na sua frente por ter gritado em socorro dela, enquanto quatro soldados a seguravam e faziam fila para a violar. É só a primeira história. O artigo conta várias, todas igualmente fortes mas o que emerge é precisamente o padrão de atuação destes soldados, que, segundo os relatos destas mulheres, denota uma normalidade preocupante.

Apesar de não ser possível investigar de forma independente estas acusações, já que os jornalistas estrangeiros estão proibidos de entrar no estado de Rakhine, todas as mulheres à exceção de uma, descreveram à AP os seus violadores como homens fardados. A que não o fez, conta, porém, que os seus vizinhos reconheceram as caras dos atacantes como fazendo parte do exército.

Também "K" partilhou uma história impressionante. Ao raiar o dia, a família, acabada de se sentar para o pequeno-almoço, começa a ouvir-se os gritos das casas ao lado. O seu marido e os três filhos mais velhos correram porta fora em direção à densa floresta. Mas ela estava grávida de quase nove meses e tinha mais dois filhos pequenos com ela, "que nunca conseguiriam correr mais que os soldados", escreve Gelineau. Os soldados vieram, e a história repete-se.

Enquanto a violavam um deles tinha uma faca apontada ao seu olho e outro uma pistola pousada sobre o seu peito. Quando o marido voltou, ameaçou deixá-la por ter sido violada por um "não-muçulmano". O seu bebé, que ela presumia morto dentro do seu útero devido à violência dos ataques, acabou por nascer já no Bangladesh.

Todas falam das dores terríveis que se seguiam a estes atos, de tentarem fugir ainda cambaleantes e a sangrar, das condições abjetas dos campos de refugiados no Bangladesh, da solidão, dos funerais dos seus filhos, das casas queimadas.

Estes ataques não são novidade, mas a escala a que acontecem é. Antes de se ter tornado líder de Myanmar, Aung San Suu Kyi condenou os abusos dos militares: "A violação é por demais comum. É utilizada pelas forças armadas para intimidar as minorias étnicas e dividir o nosso país", disse, em 2001, a galardoada com um Nobel da Paz, em 1991, que já muitos ativistas contestam abertamente.

Agora, o governo que lidera não só não condena estes ataques como os remete para a categoria de "mentiras". A AP não conseguiu expor estas acusações aos militares, mas a última vez que se ouviu um membro do governo oferecer uma explicação sobre estes casos a resposta foi chocante: "Estas mulheres estão a dizer que foram violadas, mas olhem bem para o aspecto delas – acham mesmo que alguém as acharia atraentes o suficiente para as violar?", disse Phone Tint, ministro dos assuntos da fronteira de Rakhine.


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