Onde quer que fosse Aureliana, desfiava sempre o seu rosário de lamentações. A quem quer que estivesse disposto a ouvi-la, relatava sua infelicidade, seu drama pessoal... Suas tragédias cotidianas.

Da última vez que a vi, ela estava a reviver entre lágrimas a circunstância em que perdeu seu filho predileto. Sempre a vida lhe foi madrasta. Se não é por conta da perda do filho já adulto em pleno vigor físico, é pela estupidez do marido ou pelo descaso dos outros filhos. Em sua família, explicita reiteradas vezes que ninguém gosta dela. Aquele que gostava, aquele que era seu companheiro mais fiel, “Deus levou”, ressalta, referindo-se ao filho que perdeu.
Nossa personagem se nutre, desta forma, da atenção e dos sentimentos de piedade que consegue despertar no outro, e dos seus próprios sentimentos de autopiedade. Um(a) psicólogo(a) diria tratar-se de um perfil de personalidade histriônico1.
Fato é que Aureliana se reconhece e tem sua identidade fundada no papel de vítima.
Quem é vítima está sempre à mercê do outro e das circunstâncias, e atribui a outra pessoa ou a algo fora de si a responsabilidade por sua infelicidade. O poder está sempre nas mãos do outro. Além disso, há um prazer mórbido em “lustrar a própria ferida” e expô-la a outrem.
A ‘lente de aumento’ de Aureliana permanece focada e maximizando as tragédias da vida. Assim, tudo que enxerga à sua volta é negro e sombrio. Inclusive, para concretizar isto desenvolveu um problema de visão, onde começou a ver pontos pretos em seu campo visual. Parece ter sido uma consequência de um descolamento de retina que não foi provocado por nenhuma causa mecânica ou acidental. A cirurgia realizada com o especialista tampouco lhe ajudou a enxergar melhor.
O mundo está cheio de Aurelianas e Aurelianos.
A pergunta a ser feita: “Onde você coloca sua ‘lente de aumento’?” Isto é, o que você costuma maximizar em sua percepção? Quero dizer com isso que em nossa trajetória cotidiana, a vida sempre vai nos brindar com o que qualificamos como coisas boas e ruins. Nosso olhar para os fatos é o que faz a diferença.
O mundo torna-se, de fato, mais colorido, atraente e luminoso quando tendemos a ver as cores das coisas; as pessoas respondem diferentemente e melhor quando adquirimos o hábito de nos conectar com sua parte saudável ou quando simplesmente percebem que estão sendo ‘vistas’; em outras palavras, recebemos de volta e na mesma frequência o eco de nossas vibrAÇÕES. É a lei de ação e reação operando.
Assim, para além de uma filosofia de vida, aí está uma estratégia que rende excelentes resultados: o hábito de focar e valorizar o lado bom das coisas e das pessoas torna a vida mais leve, nos traz menos problemas de saúde, nos possibilita fazer mais amigos e nos faz mais felizes.
Quando nos conectamos com a parte saudável do outro, estamos atuando no fortalecimento daquilo que a outra pessoa tem de melhor, o que automaticamente reverbera em nós. Se mais pessoas também realizam a mesma coisa, podemos criar uma corrente capaz de reverberar e gerar um egrégora.
Egrégora é uma forma pensamento que é criada por pensamentos e sentimentos, que adquire vida e que é alimentada pelas mentalizações e energias psíquicas. É uma entidade autônoma que se forma pela persistência e intensidade de correntes emocionais e mentais. O egrégora pessoal é formado pelas energias psíquicas da pessoa e, principalmente, pelos seus pensamentos. Assim, uma pessoa psiquicamente equilibrada e com pensamentos positivos, cria um egrégora positivo. Do mesmo modo, uma pessoa desequilibrada emocionalmente e negativa cria um egrégora negativo. Nossa alma, nosso psicomental agregado ao nosso corpo físico, está sujeito a esta mesma lei. Uma alma boa, alegre e positiva atrai mais alegria, felicidade e sorte. Uma alma rancorosa, triste e negativa, por outro lado, atrai mais rancor, tristeza, sofrimento e azar (pelo Prof. Adhemar Ramos – Shu de Asgard).
Agradeçamos então a Aureliana que, sem querer, nos proporcionou o insight de que está em nossos ‘olhos’ a possibilidade de tornar a nossa vida melhor. Mas para ajudar Aureliana é preciso que ela própria resolva abrir mão dos ganhos neuróticos que obtém lustrando sua ferida e decida por si mesma focalizar sua lente de aumento nos aspectos positivos e saudáveis da vida.
Fazer escolhas é próprio do ato de viver. E cada uma das pequenas escolhas que realizamos nas vinte e quatro horas do dia, gera determinadas consequências...
No fundo, viver é simples.

Nota

1 Uma variante do termo “histeria” (do grego, histerus = útero, tendo sido descrita inicialmente em mulheres, uma vez que na Grécia Antiga achava-se que os sintomas histéricos eram causados por movimentos migratórios do útero no corpo feminino, em busca de umidade). Um tipo de personalidade que tende a mobilizar plateias, com forte tendência para ser o centro das atenções, seduzir e sensualizar as reações sociais e afetivas, manipular ou confundir a realidade e teatralizar os conflitos. Outro traço importante desse tipo de personalidade é um evidente poder de autossugestão, o que torna esses indivíduos vulneráveis e dependentes nas suas relações pessoais, o que lhes pode perturbar as suas percepções sensoriais.