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domingo, 18 de fevereiro de 2018

Professora resgata histórias de mulheres cartunistas em livro

Professora resgata histórias de mulheres cartunistas em livroConversamos com Camila Lelis, que falou como a arte empodera



Bar de Batom
Publicado em 23/08/2017
Por Luciana Faria
Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação/Reprodução



Charles M. Schulz, Quino, Millôr Fernandes. Quando o assunto é humor gráfico, figuras masculinas como essas geralmente são as primeiras a vir à nossa mente. Faça o teste no Google: em uma simples busca por "cartunistas mais famosos do mundo", você vai precisar de alguns cliques até se deparar com a finlandesa Tove Jansson, a primeira mulher da lista.
Mesmo quando falamos em arte em um dos períodos criativos mais efervescentes no Brasil, a ditadura militar, o nome da chargista Hilde Weber é ofuscado por outros como Henfil, Jaguar e Ziraldo. Opacidade que vem, evidentemente, não da falta de talento e capacidade da mulher, mas de uma memória popular que não as destaca.
Para mudar essa linha de pensamento, a mestra em letras Camila Lelis se preocupou em fazer justiça e contar parte da história que muita gente não conta: sobre como foi - e é - a atuação das mulheres no humor e na arte gráficaMulheres em Traços: a percepção do sensível presente na exposição Batom, Lápis & TPM é o nome do livro em que a autora conta tudo isso, e que será lançado nesta sexta-feira (25) na cidade mineira de São João del-Rei.
A obra analisa trabalhos de mulheres expostos na mostra anual Batom, Lápis & TPM, do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, dedicada exclusivamente à arte feminina. Inclusive, o espaço foi criado justamente pela falta de expositoras no evento, conforme Camila ouviu do próprio curador da mostra durante a produção do livro, Eduardo Grosso.
Professora resgata história de mulheres cartunistas em livro
Ao Bar de Batom, Camila Lelis contou que a falta de incentivo e oportunidades na arte gráfica, assim como em muitas outras áreas, leva a mulher a ter mais dificuldade para mostrar seu desempenho no mercado profissional. Especificamente na arte, ela ainda destaca que até o século XX quase não havia incentivo para a mulher desenvolvê-la.
"Por tudo isso, a pesquisa me mostrou que estamos na hora certa de começar a colher os frutos da arte feminina, da escrita de autoria feminina e de tantas outras manifestações que libertam a mulher e a própria sociedade das amarras sociais e de gênero", pontua. 
Até chegar aos dias de hoje, Camila destaca em suas obras essas mulheres que lá atrás foram abrindo caminho para outras. Um exemplo de empoderamento que a autora destaca é a artista italiana Artemisia Gentileschi, que denunciou abusos sexuais sofridos durante a adolescência por meio de sua pintura. 
"Ela encontrou na arte a melhor maneira de confessar suas lamúrias e dar testemunho de seu sofrimento, escancarando o que todos tentavam esconder", afirma Camila. "Artemisia pintava com a alma e expurgava seus demônios, mostrando uma realidade verdadeira e ao mesmo tempo mística, encontrando na fé e na arte a compensação da sua triste história".
Professora resgata histórias de mulheres cartunistas em livro
Embora sua arte seja oriunda de uma técnica similar a de um expoente da pintura, Caravaggio, Artemisia demorou séculos para receber reconhecimento. Inclusive, a autoria de parte de suas obras foi atribuída durante anos ao seu pai, que trabalhava com o pintor italiano. 
Os traços afiados das mulheres
Mais uma história que Camila Lelis conta em seu livro é a de Nair de Teffé, primeira-dama do Brasil nos anos de 1910. "Nair era uma mulher à frente do seu tempo. Levou a música popular brasileira para o Palácio do Catete e fez a alta sociedade carioca apreciar o belo som do violão, tocando ela mesma o instrumento, algo que foi um escândalo na época".
Considerada a primeira cartunista brasileira e uma das primeiras do mundo, Nair, sob o pseudônimo de Rian - seu nome escrito de trás para frente -, teve seus desenhos publicados em diversos veículos grandes da época, como a Gazeta de Notícias, por onde passaram nomes como Machado de Assis e João do Rio.
Camila conta histórias de Nair Teffé no livro que "mostram como ela representou muito bem a garra e a coragem que existem dentro de uma artista gráfica, que não tem medo de dizer, ou melhor, traçar o que pensa".
Décadas mais tarde, vem Hilde Weber e seu traço afiado contra o governo de Getúlio Vargas - mais um destaque de Mulheres em traços. "Seu trabalho na Tribuna da Imprensa, pressionando o governo Vargas e, posteriormente, no Estado de S. Paulo incomodando a ditadura brasileira, é digno de aplausos e homenagens", opina Camila.
Embora não se fale muito sobre ela, a alemã, pelo seu trabalho, é uma das principais chargistas políticas da imprensa do Brasil. "As pesquisas acerca de Hilde Weber são quase nulas e eu tenho esperanças que o livro possa reviver sua trajetória, e incentivar jovens talentos a buscar inspiração em seus exemplos de coragem", declara a escritora.
Professora resgata história de mulheres cartunistas em livro
Arte tem gênero?
Para Camila Lelis, o trabalho dessas e de todas as outras artistas que ela retrata no livro mostra como a mulher é importanteno cenário artístico e do humor. "A arte é a busca do ser humano em se identificar dentro da homogeneidade. Dicotomicamente, a arte será a busca por semelhança através da diferença. Isso não se separa por gênero. Acredito então que, quando se coloca obstáculo para a manifestação artística da mulher, a arte fica incompleta". 
Para ilustrar essas afirmações, Camila usa seu próprio exemplo, contando como se identifica, muitas vezes, ao ver uma arte assinada por uma mulher. "A arte gráfica feminina pode ser um local de confessionário de nossas intimidades, tanto minhas quanto da artista, pois estamos inseridas no mesmo núcleo e nos entendemos". 
É, então, a partir daí que vem a 'percepção do sensível', que dá o subtítulo ao livro. "Surge um diálogo entre nós quando eu observo suas obras, que é o que chamo de percepção do sensível. Essa identificação é única, intransferível e ao mesmo tempo queremos que todos possam desfrutar dela, pois é emocionante e fugaz". 
O empoderamento por meio da arte
Professora resgata história de mulheres cartunistas em livro
Além da relevância ao espectador sobre a arte feita por mulheres, Camila destaca como conseguir trabalhar nesse meio também é importante para o cenário feminino. "A mulher, em desempenho da arte gráfica, está ocupando seu lugar, tomando seu espaço de direito e declarando independência em seu território. A mulher não acrescenta, ela faz falta".
E a sororidade por meio do livro
Professora resgata história de mulheres cartunistas em livro
Camila ressalta a sororidade que adquiriu fazendo o livro, assim como o aprendizado em valorizar o trabalho feminino. "O livro brotou em mim a responsabilidade que tenho, enquanto mulher, de aplaudir outras mulheres, incentivar seus trabalhos e fazer parte de suas conquistas", afirma. "Acho que meu livro pode fazer esse papel: mostrar que, valorizando a arte feminina, nós empoderamos a ela e a nós mesmas. O empoderamento é sempre recíproco".
Mas, assim como para ela, a arte não tem gênero, não cabe também ao espectador se limitar. E a arte por mulheres pode, e deve, ser apreciada por todos, afirma Camila. "Recomendo para qualquer público que conheça e busque saber mais sobre a arte gráfica feminina, sobre as pioneiras do passado e as inovadoras do presente, pois a experiência é inesquecível".
Mulheres em Traços: a percepção do sensível presente na exposição Batom, Lápis & TPM terá circulação nacional e ganhará um segundo lançamento durante a Exposição de Quadrinhos e Humor do 44º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no dia 22 de setembro.

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